top of page

A RELAÇÃO DO SÍTIO AGATHA COM A UNIVERSIDADE: PONTOS DE TENSÕES E NARRATIVAS AFRO-AGROECOLÓGICAS

Atualizado: 25 de mar. de 2024

Autores/as:

Indiara Launa Teodoro

Jacilene Borba Silva

Rauan Robério Santos Batista

Victor Hugo Barbosa da Silva Oliveira


Como e em que medida a universidade distancia representantes de movimentos sociais dificultando o acesso e a permanência nesse espaço? Quais as representações de aprendizagem entre o movimento social e a universidade? É possível, mediadas por tensões, construir relações de colaboração?

Essas eram algumas das questões que se moviam nas nossas cabeças quando nos encontramos com Luiza e Nzinga, mãe e filha responsáveis pelo espaço Afro-AgroEcológico Sítio Agatha, procurando ouvir sobre a economia solidária agroecológica no Sítio Agatha e as relações mantidas pela Universidade Federal Rural de Pernambuco. Como objetivo central, a estruturação de políticas de inclusão e permanência na UFRPE, entendendo a vivência de Nzinga e as interseccionalidades que a atravessam enquanto mulher preta, mãe solo e estudante de Agroecologia na mesma instituição. Como pano de fundo, estava o conflito recente, ocorrido em Setembro de 2022, em torno da negação e do impedimento do compartilhamento do alimento de Nzinga para com sua filha por funcionários terceirizados no Restaurante Universitário. O impedimento, claro, tinha motivações não racistas.

Porém, como os atravessamos de uma pesquisa que assume a subjetividade como método e compromisso ético, ampliamos nossa abordagem para que as narrativas de Luíza Cavalcante e Nzinga pudessem ser contempladas, não tratando-as como objeto de estudo, mas possibilitando a criação de espaços para que elas pudessem falar de si e de suas trajetórias no enfrentamento às perversidades impostas pelo capitalismo que recaem também sobre as relações de gênero. Pensando, também, nas relações com o patriarcado no campo, predominado pela agroindústria canavieira. Como elas mesmas afirmam, quando questionadas sobre os enfrentamentos na trajetória de uso e ocupação, processo de assentamento junto ao MST, e posse da terra: “Somos três mulheres pretas dentro de um mar de cana. Quer resistência maior que essa?”.

Essa fala aparece como um enunciado da própria história do sítio resistindo às perversidades do capitalismo, da colonialidade e do patriarcado no espaço rural. Localizada na área rural do município de Tracunhaém - PE na zona da Mata Norte, o Sítio Agatha é um espaço afro-agroecológico, feminista e antirracista no assentamento Chico Mendes, atuando numa perspectiva do cultivo da terra por técnicas agroecologicas em meio a monocultura da cana-de-açúcar nessa região. A fala também comunica a história ancestral que povoa o solo do sítio e o corpo-território destas mulheres. Algo que se revela quando descobrimos que, no antigo engenho que ocupou aquelas terras, as relações escravocratas marcaram a história familiar dessas mulheres. Assim, o cultivo Afro-AgroEcológico da terra remete intimamente ao culto aos ancestrais, presente no resgate das origens do povo Mbundu, e ao cultivo espiritual do Axé que habita o alimento e o ato de alimentar como sagrados.

Permeados por essa oralidade, nosso encontro acompanha os caminhos pelos quais as narrativas subjetivas de Luiza e Nzinga se enveredam e constroem sentidos para as questões sociais, históricas e políticas que atravessam o Sítio. Escolha de pesquisa que adotamos e que vai de encontro ao processo de descolonização do saber, ao considerar que as narrativas, a subjetividade, também são formas de produção de conhecimento, questionando um modelo de conhecimento acadêmico tido como “universal” e “objetivo”. Nesse sentido, a produção do conhecimento é horizontalizada, apreendendo que os movimentos sociais também são produtores de conhecimentos, capazes de descentralizar relações de poder, e mais que isso, de criar outras formas de poder, de expressão e de sociabilidades.ao anunciar suas vozes e pautas de luta. Nesse mesmo ensejo, o nosso compromisso de pesquisadores e educadores é de ir além das análises descritivas, das práticas de catalogação e colonização das experiências engajadas por grupos subalternizados, Ir além e encontrar outros métodos, nos posicionando de uma forma outra para falar não sobre, mas com.

O Sítio Agatha é, portanto, um espaço educativo, cultural e político que carrega um saber ancestral, liderado por gerações de mulheres pretas no campo. E o processo de socialização com a história, a resistência e o legado do Sítio Agatha nos leva a entender que somos natureza e precisamos cultivá-las, resistir e lutar diante das desigualdades em defesa dos Direitos Humanos e do quão sagrado é o se alimentar.

A genderização racializada e a separação dos papéis sociais marcam essa trajetória de vida, nessas situações que são ‘CORriqueiras’, fazendo parte de pré-conceitos enraizados em um processo colonial, ainda não superado, em que tais discursos e posição social representam o silenciamento e opressão desses(as) sujeitos(as) racializados(as). Com isso, “é impossível para a subalterna falar ou recuperar sua voz e, mesmo que ela tivesse tentado com toda sua força e violência, sua voz ainda não seria escutada ou compreendida pelos que estão no poder”, afirma a pesquisadora Grada Kilomba (2008, p. 47), em seu livro, Memórias de plantação: episódios de racismo cotidiano.

Sabemos que durante muito tempo o espaço acadêmico foi pensado para que filhos dos burgueses pudessem estudar, tendo em vista, que na realidade brasileira, muitos desses filhos estudavam fora do país e acabam não voltando. Assim, como estratégia para que essas pessoas permanecessem, instituíram a universidade no Brasil pensando nesse público-alvo. Baseado em um currículo eurocêntrico, este que não deixa margem para outras culturas, povos, religiões, entrem na pauta de discussão. O enfoque deste era as áreas do Direito, Engenharia e Medicina.

“Eu vim pra melhorar a universidade pra quando chegar a minha vez ela estar boa para que eu possa habitar”... Essa fala de Nzinga marca um intenso processo de luta pela garantia das universidades públicas em todo Brasil. Esta relação é marcada por um intenso conflito político-acadêmico. Neste espaço de construção do conhecimento, também, existe um forte sucateamento. A educação, nesse sentido, passa a ser uma mercadoria e não um direito. Não existindo mais investimentos, existindo “gastos”. Como lidar com esse sucateamento de um sistema universitário que deveria ser público, gratuito e de qualidade? E, quando atrelado a episódios de “QUASE RACISMO” dentro desse espaço.

É fato que a descrença existe: “você tem certeza que aconteceu isso?”; “você não entendeu errado?”; “é tudo coisa da sua cabeça”, “a universidade não é racista”. O racismo cotidiano, faz com que sujeitos que sofrem essa violência no dia a dia, sejam descredibilizados pelos episódios sofridos. Além de enfrentar uma situação de violência que lhe atravessa, tem-se que lidar com a desconfiança de outros sujeitos que colocam à prova a sua experiência negativa com o episódio. “Isso é mimimi”; “É vitimismo”.

“Eu passei junto com a minha filha por uma situação muito PESADA, né? Que é o “SUPOSTO” Racismo, que para muitos não foi e a gente não quis usar o nome racismo para esse ato desumano que ocorreu”, comenta Nzinga sobre o caso.

Dona Luiza, ao saber do acontecimento que ocorreu com sua filha, relata: “Foi muito chocante para nós. O que é menina? Aconteceu o quê mesmo? Não pôde tirar do seu prato sendo sua filha? Como? Foi absolutamente chocante. Porque na nossa história de vida familiar, comunitária sempre o alimento foi sagrado na nossa espiritualidade de matriz africana”.

A relação da universidade com o Sítio Ágatha, sempre foi permeada por uma contribuição estreita, entre o movimento afro-agroecológico e as produções acadêmicas. Na qual o sítio, sempre recebeu, e continua recebendo, os estudantes universitários, da UFRPE e de outras instituições, para um diálogo que transpasse o muro das universidades e criem uma relação, também, com o entorno a produção do conhecimento acadêmico, entender que transpassar esses saberes de vida fazer parte de um movimento de luta pela qualidade de vida desses(as) sujeitos(as), seja no campo ou na sua vida universitária/acadêmica.

Não se pode dissociar a vida social da vida acadêmica, pois, os processos envolvidos nessa relação transpassam ambas instâncias. Assim, pensando na ancestralidade africana que carrega o sítio, percebemos uma relação com o pensamento do UBUNTU. “Sou porque somos”. Essa é a essência do coletivo. Entender que somos a extensão do outro, assim, existindo uma relação de interdependência. Porém, assim compreende-se que lutamos juntos, sorrimos juntos, resistiremos juntos.

A margem, pensada por uma sociedade normativa e patriarcal, seria mais um lugar de opressão, mas, é transformada por sujeitos e sujeitas que vivem nessa linha, como um território de resistência. Estudar e conhecer transcorre por um processo TRANSsubjetivo, compreendendo que sua relação no espaço acadêmica, sua experiência, perpassa o ‘Eu’ e constitui o NÓS. Portanto, a luta de mulheres negras, mães solos, afro-agroecológicas transpassam a sua vida no campo e se insere na universidade, com o intuito de repensar práticas e se inserir em espaços que outrora não podiam pertencer. Contribuindo para uma onda de movimentos que tem por intuito ESCURECER as práticas do cotidiano que marcam uma identidade racial, de gênero, camponesa, afro-agroecológica. E, assim, não somente reparar, mas, pensar na promoção da justiça social para que esses corpos políticos e sociais, possam gozar do seu direito pleno à educação.


MOMENTO DE PARTILHA DE SABERES


Comments


PPGECI - blog (1).jpg
Mestrado Educacao.png
Marcas_UFRPE-04-removebg-preview.png
Marca_Fundaj_2_-removebg-preview.png
bottom of page