As Estratégias de Ação e Mobilização da "Nova Direita" nas Redes Sociais
- Rafael Silva
- 1 de dez. de 2021
- 9 min de leitura

Ilze Lopes da Silva
Luis Gustavo da Silva Leitão
Severino Rafael da Silva
RESUMO
Esse artigo é resultado de uma pesquisa que utilizou como elementos, para construção e análises dos dados, as publicações da nova direita em redes sociais como o instagram e o telegram. A partir das análises numa, perspectiva interseccional, pudemos verificar as diferentes estratégias de ação e mobilização, que em sua maioria são pensadas para provocar e atentar contra a dignidade humana em nome da ordem e da defesa da família, através de pautas moralizantes, que visam desconstruir as diferentes pautas progressistas, inibindo seus avanços com informações deturpadas e muitas vezes até com notícias falsas, as famosas fake news. Práticas antidemocráticas que vão de encontro às reivindicações em relação às desigualdades de gênero, classe social e do reconhecimento da diversidade sexual e etnico racial.
Palavras-chave: Nova direita; redes sociais; movimentos sociais
Entre movimentos, agitações e fake news: a nova direita.
Para compreender os processos de reestruturação das diferentes forças políticas, as narrativas fascistas e os retrocessos que ao longo dos últimos anos temos acompanhado no Brasil, com a ampliação das desigualdades sociais, se faz necessário compreender as estratégias de ação e mobilização da nova direita brasileira. Nesse sentido, pode-se afirmar que os processos de reestruturação da nova direita não é um movimento isolado no Brasil e se dá de forma internacional, num movimento articulado e composto por sujeitos individuais e coletivos, com uma forte agenda econômica e política. Esse movimento se dá a partir da percepção de um inimigo comum, com pautas conservadoras e moralistas, reiterando dualismos com narrativas em defesa da ordem e da família. Assim, Casimiro nos chama a atenção quando nos diz que:
“E diante dessa grande farsa construída sobre um discurso moralizante de mudança em uma suposta defesa de “valores” e da “família tradicional”, ainda acompanhamos desastrosos e vexatórios pronunciamentos presidenciais, absolutamente incompatíveis com o mais alto cargo do poder executivo da república brasileira. Discursos que envolvem ataques aos direitos humanos, falta de postura e decoro diante de acontecimentos graves que atentam contra a dignidade humana, pronunciamentos catastróficos do ponto de vista das relações geopolíticas internacionais, assim como a postura sarcástica e depreciativa no que se refere às minorias e aos conflitos sociais.” (p. 18)
Enquanto movimento social a nova direita, tem tido uma capilaridade muito grande, o que pode ser atribuído aos usos de diferentes redes sociais para disseminação de informações e articular suas ações. Dito de outra forma, a nova direita tem se constituído aos longo dos últimos anos enquanto uma potente geradora de saberes da política, da economia e da sociedade como um todo ao apresentar soluções para muitas pautas polemizadas pelos diferentes meios de comunicação de massa. No que se refere a produção de saberes enquanto uma premissa dos movimentos sociais Maria da Glória Gohn (2011) afirma:
Uma das premissas básicas a respeito dos movimentos sociais é: são fontes de inovação e matrizes geradoras de saberes. Entretanto, não se trata de um processo isolado, mas de caráter político-social. Por isso, para analisar esses saberes, deve-se buscar as redes de articulações que os movimentos estabelecem na prática cotidiana e indagar sobre a conjuntura política, econômica e sociocultural do país quando as articulações acontecem. Essas redes são essenciais para compreender os fatores que geram as aprendizagens e os valores da cultura política que vão sendo construídos no processo interativo. (p. 333)
Neste sentido, fica evidente a necessidade de compreender como se desencadeou todo o processo de articulações nas diferentes ações da nova direita para que assim chegasse ao planalto nacional. Para isso precisamos olhar um pouco para trás e para além do movimento Vem Pra Rua no ano de 2013.
No período pós ditadura e o processo de redemocratização do país, as pessoas tinham vergonha de se assumir sujeitas de direita. O que não significou o fim de um ideário da direita no país, pois a sua perspectiva ideológica sempre se manteve viva e a postos para tomar as “rédeas” do país. Ideologia essa que sempre deu sinais de vida em diferentes momentos políticos os quais destacamos da seguinte forma:
1º Mensalão do PT em 2005: mesmo diante de tantas polêmicas, pela primeira vez na história do país um presidente, no caso Lula, foi contundente e favorável às investigações, mesmo quando se tratava de pessoas filiadas ao mesmo partido que ele. Nesse momento houve uma tentativa de retomada pela direita o que não foi possível pois nas eleições seguintes Lula foi reeleito.
2º As redes sociais enquanto instrumentos de articulação (2006 a 2010): a criação de fóruns com participação de intelectuais e populares dá início a uma primeira forma de articulação digital no Brasil e assim começa a se constituir um terreno fértil de compartilhamento de informações.
3º Em 2011 o kit gay passa a ser a bola da vez. A disseminação de pautas polêmicas desde então tem sido uma estratégia bastante utilizada pela nova direita. Articuladas com boa parte das igrejas neopentecostais, que se disseminaram de forma expressiva das periferias aos bairros nobres das cidades, a defesa da família surge como um princípio e estratégia para capilarizar as pessoas que faziam parte desses contextos o que reverbera até os dias atuais.
4º Movimentos de rua em 2013: forjados pela nova direita, abraçados pelos meios de comunicação das massas, sobretudo pela tv globo, o movimento vem pra rua, uma caricatura das diretas já, se apresenta como o desejo de um país por mudanças. O fim da corrupção era um elemento central nos discursos em “defesa do país e do povo brasileiro”.
5º Campanha pró-impeachment (2015): caracterizada por atitudes misóginas e machistas, houve uma articulação entre diferentes grupos políticos partidários para que a então Presidenta Dilma, não pudesse concluir seu segundo mandato e com a chegada do Michel Temer, a nova direita ganha forças e vai fortalecendo ainda mais sua reestruturação, o que vai culminar com a eleição de um representante da extrema direita.
Por outro lado Casimiro (2020) chama nossa atenção no sentido de compreendermos que ascensão da nova direita é um “processo histórico que vem sendo construído por instituições, agentes e contradições concernentes ao próprio movimento do capital, e não como mera relação direta de causa e efeito de processos políticos como o antipetismo” e assim estão implicados com pautas que sustentam a burguesia nacional. O referido autor vai falar ainda que o que diferencia a nova direita da velha direita é seu modus operandi, a partir do esvaziamento de pautas diversas que são tratadas sempre de forma irresponsável.
“Dentre as várias manifestações de luta simbólica, também podemos destacar uma espécie de “memetização” da realidade, que reduz o espaço da defesa de ideias e propostas ao nível da superficialidade das mensagens curtas dos aplicativos móveis e das redes sociais, os chamados memes, “viralizando” informações rasas, acintosamente descontextualizadas, bem como notícias falsas (fake news), em um vertiginoso e contínuo processo de renovação, transformando o trabalhador em um voluntário passivo diante da própria condição de explorado.” (p. 25)
Assim, podemos compreender que o terreno no qual a nova direita tem se assentado é marcado por uma luta simbólica que também pode ser compreendida como uma guerra híbrida, ao passo que tentam desestabilizar os avanços de pautas identitárias das minorias.
Os elementos supracitados nos ajudam a compreender que a reestruturação da nova direita foi se desenvolvendo a longo prazo, por outro lado, a princípio, ninguém imaginou que teríamos por consequência disso a eleição de um presidente fascista. A eleição de Bolsonaro mostra de forma pedagógica a efetivação de um campo altamente retrógrado na política da direita brasileira. Considerando a reestruturação da direita como um elemento de manutenção do projeto da burguesia brasileira Casimiro (IBID), afirma que:
Trazendo a questão para nossa conjuntura atual, temos a retomada e a ascensão do pensamento reacionário e autoritário, com sua concretização enquanto projeto da burguesia, a partir da eleição democrática de uma liderança “carismática”, truculenta e absolutamente questionável em termos de trajetória política como uma alternativa de salvação dos interesses da burguesia brasileira. (p. 15)
Após situarmos o contexto de articulação e reestruturação da nova direita no Brasil, vamos nos debruçar no que se refere às ações através da redes sociais, para que assim possamos analisar as estratégias de ação e mobilizações virtuais da Nova Direita, após o ano de 2013 e suas repercussões nas perspectivas de classe, raça, gênero e sexualidade. Para isso fizemos o mapeamento de diferentes mídias sociais utilizadas pela Nova Direita para o desenvolvimento de suas ações e mobilizações, analisando o conteúdo das postagens nas redes sociais, Instagram e Telegram em relação às concepções de classe, raça, gênero e sexualidade.
Estratégias de Ação e Mobilização da Nova Direita: uma perspectiva interseccional.
A Internet é um território onde circula um grande volume de informações e se caracteriza como espaço de interação, onde manifestações e discursos podem viralizar, se tornando um dispositivo de mobilizações de diversos grupos sociais. Sendo assim, a Internet se configura enquanto um território de disputas e relações de poder pode se configurar como terreno fértil para ideias extremistas que vão contra o Estado Democrático de Direito.
Os dados para a análise foram extraídos do Instagram e Telegram, uma vez que essas redes sociais se apresentam com um número bastante expressivo de adeptos no Brasil. Objetivando assim, perceber como a Nova Direita apresenta-se na sociedade brasileira pelas redes sociais e de que forma essas ações (in)visibilizam diferentes segmentos sociais, cuja participação social é essencial para um Estado Democrático.
A definição das redes sociais supracitadas se deram em função de um controle em relação ao que se pode ou não publicar. Dessa forma escolhemos uma rede social com maior controle em relação a discursos de ódio e/ou violências em geral, no caso o Instagram. O Telegram, que é uma rede social muito similar ao whatsapp, mas que não apresenta nem uma forma de controle em relação a discursos de ódio e quaisquer tipos de violação de direitos. Sem falar que no Telegram os grupos podem ter uma quantidade muito grande de participantes.
A partir de um levantamento de imagens publicadas nessas redes sociais de grupos que se afirmam de direita, procedemos a uma análise dos conteúdos apresentados, sejam nas imagem e legendas em si, sejam nos comentários feitos por seus/suas seguidores e seguidoras. Nessas análises buscamos a identificação de discursos de ódio, discriminação e preconceitos em relação a classe, gênero e sexualidade.
A seguir apresentaremos algumas imagens que utilizamos para nossas análises.

Na imagem acima fica evidente a tentativa de marginalização dos movimentos sociais, além de uma representação que diretamente faz associação de pessoas negras com atos e atitudes violentas. Ou seja, como forma de marcar e reafirmar sua filiação às elites, que podemos também chamar de burguesia nacional, a estratégia é a de afirmação de classe e raça.
As imagens seguintes nos fizeram pensar sobre a forma que as mulheres cis ou trans, são enquadradas por esses movimentos. A tentativa de inferiorizar uma mulher supondo que ela não corresponde a uma identidade de gênero socialmente esperada fica evidente nos comentários feitos na postagem, com uma suposição de transexualidade da pessoa na imagem. Por outro lado, a segunda imagem, que trata sobre o feminismo, é colocada de forma risível, tentando induzir as pessoas a compreender o feminismo como algo negativo.


Sempre ouvimos falar que uma imagem fala mais que mil palavras, nas postagens em questão percebermos a reiteração do machismo, muitas vezes expressos em comentários de supostas mulheres, dizemos supostas, pois em se tratando de redes sociais, não temos a garantia de fato de quem é a pessoa que se esconde por trás da imagem. E sabemos que uma das estratégias utilizadas pela nova direita é a utilização de perfis falsos (fakes).
Com discursos que inferiorizam as mulheres e as colocam numa condição antiprofissional ou como uma dondoca que quer ganhar dinheiro sem fazer o mínimo esforço ou desenvolver um trabalho. No entanto sabemos que ao compreendermos os processos de lutas das mulheres e do movimento feminista a saída para o mercado de trabalho e para a vida pública é uma realidade.

Por fim a imagem a seguir trata de forma bastante tendenciosa a questão do aborto. Mais que tendenciosa, podemos perceber o quanto a postagem é irresponsável e criminaliza as mulheres, sem considerar as diferentes circunstâncias em que o aborto acontece. A defesa da vida, que é o principal argumento da nova direita, se resume a poder decidir sobre a vida das mulheres, não havendo reflexão ainda sobre a irresponsabilidade paterna, o abandono e a vulnerabilidade de crianças que vivem em situação de rua, por exemplo. Conforme já apontado por Casimiro (2020), a estratégia é pautar os diferentes temas de forma mais rasa possível, construindo consensos entre os pares sem considerar os diferentes aspectos sociais.

CONSIDERAÇÕES QUE NÃO SE PRETENDEM FINAIS
Para compreender melhor um fenômeno é necessário analisá-lo em seus diferentes aspectos, com a as ações do que chamamos de nova direita não foi diferente. Marcado por utilizar estratégias de caráter duvidoso, cujas ações que se desencadeiam das mesmas atentam contra a dignidade humana, esse movimento tem conseguido mobilizar o que há de pior nas pessoas. Baseando-se em narrativas moralistas e sob o argumento de defesa da família e de princípios cristãos a nova direita, que muitas vezes é confundida com a extrema direita.
No caso brasileiro a nova direita, que não é tão nova assim, tem se articulado com diferentes setores da sociedade como forma de se reestruturar e assim fortalecer a burguesia nacional. Com um projeto político e de sociedade pautado na aniquilação das diferenças, fomentados por discursos de ódio e negação das existências e vivências outras. Como já disse um compositor: “é preciso estar atento e forte”, e assim estudarmos e combatermos cada vez mais toda forma de desinformação disseminada pelos diferentes grupos que compõem essa nova direita.
Esse estudo, de caráter inicial, mostra a necessidade de outras iniciativas que possam fortalecer a construção de alternativas políticas para disputarmos as narrativas que estão colocadas e que muitas pessoas têm tomado como verdades absolutas.
REFERÊNCIAS
ALMEIDA, Fábio. A Serpente da rede: extrema direita, neofascismo e internet na Argentina. Vestígios do passado. IX Encontro Estadual de História – Associação Nacional de História – ANPUH-RS. 2008.
CASIMIRO, Flávio Henrique Calheiros. A nova direita: aparelhos de ação política e ideológica no Brasil contemporâneo. 1. Ed. São Paulo: Expressão Popular, 2018
Casimiro, Flavio Henrique Calheiros C339t A tragédia e a farsa : a ascensão das direitas no Brasil contemporâneo. / Flavio Henrique Calheiros Casimiro. – 1.ed.— São Paulo : Expressão Popular, Fundação Rosa Luxemburgo, 2020
GOHN, Maria da Gloria. 500 anos de lutas sociais no Brasil: movimentos sociais, ONGs e terceiro setor. Revista Mediações, 5 (2000), 11-40.
GOHN, M. da G. Movimentos sociais na contemporaneidade. Revista Brasileira de Educação. v. 16, n. 47, maio-ago, 2011.
Comments