Bibliotecas Comunitárias: Desafios e Contribuições para o Desenvolvimento Local
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- 13 de mar. de 2024
- 7 min de leitura
Atualizado: 25 de mar. de 2024
Autoras/es
Alana Anselmo Carneiro
Ana Paula Batista de Arruda
Carlos Eduardo Paulino Soares
Ana Cláudia Clímaco de Almeida
Luciana Lima dos Santos
Os movimentos sociais exercem uma atuação de fundamental importância na nossa sociedade, pois são muitas vezes responsáveis por promover a participação cidadã dos indivíduos para assuntos que são de interesse coletivo. As mobilizações desenvolvidas por movimentos sociais são, de modo especial, relacionadas à questões de justiça social, direitos humanos e inclusão. Entre as ações desenvolvidas por movimentos sociais de cunho educativo, está a implementação de bibliotecas comunitárias. Estas desempenham um papel fundamental no acesso à informação, no fomento à leitura e na promoção do desenvolvimento local. De acordo com Machado (2008), bibliotecas comunitárias geralmente são implementadas em contextos periféricos onde há ausência do Estado, com o intuito de promover “ações e serviços organizados com base na realidade e conhecimento locais” (p.50).
Esta pesquisa propõe uma análise aprofundada das motivações por trás da criação de bibliotecas comunitárias e examina a importância destas instituições para as comunidades que elas atendem. Além disso, buscou compreender os desafios enfrentados por essas bibliotecas, especialmente em um cenário em que a tecnologia está em ascensão, e avaliar os impactos positivos que elas têm gerado nas comunidades contempladas. A pesquisa também investigou as ações em rede realizadas para fortalecer essas bibliotecas e a seleção de acervos, bem como o perfil dos indivíduos que lideram essas iniciativas.
Com o objetivo de investigar o papel das bibliotecas comunitárias na promoção da leitura e no desenvolvimento local, examinando suas motivações, desafios e contribuições. Este estudo utilizará uma abordagem qualitativa com perspectiva etnográfica. Foram conduzidas entrevistas semiestruturadas com profissionais que atuam diretamente em 4 bibliotecas da Rede de Bibliotecas Comunitárias - Releitura. As bibliotecas contempladas foram: Nascedouro (Peixinhos) e Caranguejo Tabaiares (Ilha do Retiro). Além disso, foram entrevistadas pesquisadoras do Centro de Cultura Luiz Freire (Olinda), do Centro de Estudos em Educação e Linguagem - ( CEEL) UFPE, e a ex- formadora do programa Prazer em Ler ( Instituto C&A). As entrevistas foram registradas em vídeo e áudio para posterior análise qualitativa.
“A entrevista semi-estruturada tem como característica questionamentos básicos que são apoiados em teorias e hipóteses que se relacionam ao tema da pesquisa.” (1987, p. 146, apud MANZINI, 2004).
Os questionamentos básicos elaborados pelo grupo foram baseados em 5 tópicos que consideramos importantes para atingir nosso objetivo principal. São eles: 1. A importância das bibliotecas comunitárias e as motivações que levaram às suas implantações; 2. Os desafios e impactos das bibliotecas; 3. Ações em rede e fortalecimento das bibliotecas; 4. Seleção de acervo e apoio financeiro; e 5. Perfil dos responsáveis pelas bibliotecas.


Biblioteca Multicultural Nascedouro de Peixinhos
A entrevista com Rogério Bezerra, representante da Biblioteca Multicultural Nascedouro em Peixinhos, Recife, revela insights valiosos sobre a motivação, importância e desafios das bibliotecas comunitárias. Ele explica que a biblioteca Nascedouro surgiu a partir do Movimento Cultural Boca do Lixo, inicialmente um movimento de rock and roll na comunidade de Peixinhos. Após o evento da Semana da Cultura de Peixinhos, o movimento ocupou o espaço de um antigo matadouro com o objetivo de promover atividades políticas e culturais, incluindo música, dança e teatro. O movimento contou com a participação de educadores sociais que promoviam a leitura e a literatura. A biblioteca Nascedouro nasceu do desejo do grupo de oferecer um espaço para poetas e escritores compartilharem seus escritos. A ideia cresceu, e a biblioteca foi inaugurada em 2000, com o objetivo de incentivar a leitura literária na comunidade.
Rogério reconhece que a biblioteca enfrenta o desafio de atrair o público em um contexto em que a tecnologia está em ascensão. No entanto, ele enfatiza a importância de se adaptar às mudanças e abraçar a tecnologia como parte da vida cotidiana. A biblioteca oferece serviços além do acesso a livros, como um Cine Clube. Ele argumenta que, embora a tecnologia seja prevalente, o livro físico possui uma magia e encanto único que atraem leitores, e ainda destaca o papel da mediação de leitura na biblioteca, enfatizando que os mediadores têm a missão de aproximar as pessoas dos livros.
A biblioteca Nascedouro faz parte de uma rede chamada "RNBC - Rede Nacional de Bibliotecas Comunitárias" e também estabelece parcerias locais. Rogério enfatiza a importância da articulação em rede para compartilhar experiências, conhecimentos e recursos. Ele menciona que a biblioteca enfrenta desafios de sustentabilidade política, especialmente em relação ao espaço físico da biblioteca, que já sofreu ameaças de despejo em várias ocasiões.
A biblioteca construiu seu acervo com doações da comunidade, destacando o apoio do Centro de Cultura Luiz Freire, representado por Cida Fernandes, e a importância de selecionar livros que atendam aos interesses da comunidade. Além disso, recebem apoio de instituições, incluindo a Fundação Itaú, que apoia a RNBC. Eles também buscam recursos por meio de editais públicos, prestam serviços em mediação de leitura e vendem produtos relacionados à biblioteca para gerar fundos. Rogério menciona que ao longo do tempo, a biblioteca teve a colaboração de várias pessoas e, atualmente, conta com três gestores: ele próprio, Fabiana e Antônio Thor. A biblioteca ainda conta com Carminha-Bandeira, Marcos Varela e Naide Maria, que possuem sua importância dentro das atividades realizadas.
Rogério destaca a diversidade de colaboradores da biblioteca comunitária, ressaltando que não é necessário ter uma formação acadêmica específica para participar. A ênfase está na conexão com a comunidade e no conhecimento da realidade local. Muitos dos colaboradores são educadores populares e educadores sociais, que têm uma forte ligação com a comunidade e compreendem suas necessidades. O método de formação de leitores da biblioteca comunitária, se baseia na memória afetiva do bairro. Quando novas pessoas visitam a biblioteca, a equipe oferece uma visita guiada que inclui a história do bairro de Peixinhos, o significado do nome e a história do matadouro. A biblioteca começa a incentivar a leitura e a mediação de leitura contando histórias do bairro, como a do "Boi Menino," que envolve uma relação afetiva com um boi que morava na comunidade e não era para ser abatido. Um dos focos da biblioteca é valorizar a memória local e as histórias que são significativas para a comunidade. Essas histórias são usadas como ferramentas para incentivar o gosto pela leitura e criar uma relação afetiva com o bairro.
Biblioteca Multicultural Caranguejo Tabaiares
4. Articulação em Rede e Fórum
Corroborando com esta perspectiva, de maneira unânime, os participantes entrevistados retratam as bibliotecas comunitárias como um espaço de valorização da própria comunidade, sendo um mecanismo que contribui para a redução das desigualdades sociais, promovendo a inclusão informacional, evidenciando as ações de organização, amadurecimento e cidadania, em que cada indivíduo se torna responsável pelo crescimento cultural da comunidade. Como retrata Ester Rosa “a biblioteca me apresentar a essa “bibliodiversidade”, esse conjunto de práticas do criar. Então, eu não vou à biblioteca só para ler, vou ouvir outras pessoas produzirem e também para produzir os meus textos (sic)”. Apesar da relevância dessas iniciativas de cunho sociocultural, que majoritariamente estão nos grandes centros urbanos, observa-se que ainda são incipientes nas discussões sociais, das quais não são pautadas nas reflexões desenvolvidas nas universidades e instituições de pesquisas. Especialmente porque as próprias designações utilizadas lidam com conceitos relativamente dinâmicos e complexos, como comunidade e informação. Aponta Ester Rosa (2018, p. 11) que “são poucos os estudos e as discussões acerca das bibliotecas comunitárias e suas contribuições para tornar as práticas de leitura acessíveis à população brasileira”, como apresenta os resultados da pesquisa Bibliotecas comunitárias no Brasil: impactos na formação de leitores.
Quanto às ações em rede e fóruns, o Centro de Estudo em Educação e Linguagem (CEEL), começou a se aproximar das bibliotecas comunitárias, viram que poderiam contribuir no campo da formação, ou seja, na formação de mediadores de leitura, na discussão com os gestores de bibliotecas sobre a prática da escrita e de projetos, que é um gênero que exige diversas habilidades específicas. Além disso, o envolvimento na compreensão da biblioteca como um projeto que tende a favorecer a sua permanência, pensando sua sustentabilidade.
As parcerias entre comunidades e organismos sociais, como escolas e universidades, empresas privadas e instituições do terceiro setor, têm se mostrado frutíferas. Iniciativas que se orientam por uma intencionalidade política e social, isto é, por uma causa ou circunstância que irá motivar a criação desses espaços. A atuação em rede vem se dinamizando e com a utilização da tecnologia, como um mote articulador, proporcionando a adoção de uma ferramenta Web – a plataforma NING – possibilitou a formação de um grupo em que é possível trocar experiências por meio de fóruns, além de compartilhar documentos, fotos, dicas e sugestões localizado pelo endereço http://rbbconexoes.ning.com/.
As bibliotecas comunitárias cumprem um importante papel na garantia de acesso da população aos bens culturais, por outro lado nem sempre este trabalho é reconhecido pelo poder público. Assim, as instituições se organizam em rede com vista a fortalecer suas atuações. Dentre as iniciativas existente no Brasil, na cidade do Recife a Rede Releitura - Bibliotecas Comunitárias em Rede, desde o ano de 2007 tem como intuito promover o acesso às bibliotecas, aos livros e à leitura como direito humano, contribuindo com as bibliotecas comunitárias periféricas de Pernambuco, por meio da troca de experiências e potencialização das vivências em coletivo.
Conclusão
Esta pesquisa destaca a importância dos movimentos sociais na promoção da participação cidadã e na defesa de questões fundamentais, como justiça social, direitos humanos e inclusão. Dentro desse contexto, as bibliotecas comunitárias emergem como uma expressão concreta desse engajamento, desempenhando um importante papel no acesso à informação, no estímulo à leitura e no desenvolvimento local. A pesquisa sobre as bibliotecas comunitárias Nascedouro e Caranguejo Tabaiares revelou insights valiosos sobre suas origens, desafios e conquistas. A adaptação aos avanços tecnológicos foi apontada como um desafio, destacando a necessidade de diversificação das atividades oferecidas, além do acesso a livros. A mediação de leitura, a valorização da memória local e a formação de leitores foram aspectos fundamentais abordados nas entrevistas.
A metodologia adotada, utilizando abordagem qualitativa com perspectiva etnográfica, permitiu uma compreensão profunda das motivações por trás da criação das bibliotecas comunitárias, dos desafios enfrentados e das contribuições significativas para as comunidades atendidas. A atuação em rede, exemplificada pela Rede de Bibliotecas Comunitárias - Releitura, e o fórum nacional RNBC, destacam a importância do compartilhamento de experiências, conhecimentos e recursos para fortalecer essas instituições. Além disso, parcerias com instituições como o CEEL e a Fundação Itaú foram necessárias para a sustentabilidade política e financeira das bibliotecas. A diversidade de colaboradores, incluindo membros da comunidade e profissionais com formações diversas, enfatiza a natureza inclusiva das bibliotecas comunitárias. A pesquisa também destaca o reconhecimento tardio dessas iniciativas nas discussões sociais e a importância de promover estudos e reflexões mais aprofundadas sobre o papel dessas instituições na formação de leitores e no fortalecimento de comunidades.
Nesse sentido, as bibliotecas comunitárias surgem como agentes transformadores, promovendo não apenas o acesso ao conhecimento, mas também a construção de identidade e a participação ativa das comunidades. Seu impacto positivo transcende a simples oferta de livros, contribuindo para o enraizamento comunitário, o fortalecimento de redes e a promoção da cultura como direito humano fundamental.