IBURA + CULTURA: ENTRE LUTAS, RESISTÊNCIAS E AFETOS
- linha1ppgeci
- 18 de fev. de 2021
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INTRODUÇÃO
O presente estudo indica os percursos trilhados por uma pesquisa de campo proposta pelos docentes Drº Maurício Antunes e Drº Moisés de Melo do Programa de Pós-Graduação em Educação Cultura e Identidades (UFRPE/FUNDAJ) para a disciplina de “Movimentos Sociais, identidades e cidadanias interculturais”. A ideia foi aproximar as proposições debatidas dentro da acadêmia com as vivências dos movimentos. Para viver essa experiência escolhemos o coletivo Ibura + Cultura. A escolha foi feita pela afinidade entre as lutas pessoais das/os integrantes desse estudo e a atuação do coletivo.
O coletivo Ibura + Cultura surgiu a partir do movimento de ocupação dos estudantes secundaristas nas escolas públicas de Pernambuco, ocasião em que um dos integrantes foi detido no territória do Ibura. Nesse episódio, vale o destaque para ação da polícia nos movimentos de ocupação nas escolas do estado: quando era numa escola de periferia a ação policial era bastante truculenta. Após essas experiências de embate e discriminação o grupo se conheceu, se formou e se fortaleceu. O Ibura + Cultura surgiu em 2016 com o objetivo de levar arte, diálogo, cidadania, e cultura para dentro da favela, fincada no trabalho de base e nas discussões em torno das consciências de classe, raça e equidade gênero. Na ocasião em que o conhecemos o grupo era composto por cinco integrantes: Lídia, Tânia, Cícero, Túlio e Carlos Henrique, o CH.
Com uma forte atuação na comunidade, o coletivo realiza ações bem articuladas que exploram desde experiências culturais até discussões políticas. Utilizando o mote “Num lugar onde não há atividades culturais a violência vira espetáculo”, o Ibura + Cultura segue provocando reflexões sobre a importância da cultura, do debate político e do diálogo como meio de levar o conhecimento para melhorar a vida da comunidade. Nesse sentido merece destaque a fala de Lídia: “Todo mundo que é da favela e da periferia quando tem acesso a conhecimento pensa assim: vamos transformar aqui esse espaço que a gente vive.” (Registro de entrevista, 2019)
OBJETIVOS
Geral: Compreender como se organiza o coletivo Ibura + Cultura para o desenvolvimento das suas lutas
Específico:
Conhecer a história, integrantes e demandas do Coletivo Ibura + Cultura;
Conhecer suas estratégias de manutenção e as parcerias que estabelecem;
Observar o impacto desses grupos no cotidiano da comunidades e como este se materializa;
2. MARCO TEÓRICO
Por emergir da necessidade mudança e transformações de uma sociedade, os movimentos sociais são de extrema importância para dar vez e voz às reivindicações do povo insatisfeito e se convertem num instrumento para questionar as relações de poder instituídas em busca da democracia em ação contínua. Na sociedade pós-moderna em que vivemos, não cabe mais imaginar as reivindicações sociais baseadas apenas em pautas de classe, pois há uma gama diversa de outros conflitos provenientes de demandas culturais e históricas. São os movimentos que trazem pautas que questionam o poder em outras frente: movimento feminista, movimentos LGBTQ+, movimento estudantil, movimento negro.
De acordo com Touraine, as transformações sociais só acontecem por meio de embates que democratizem o acesso aos mecanismos decisórios da política. Para tanto é necessário direcionar as ações dos movimentos sociais às instituições e dessa forma forçar a representação no cenário político. Nesse sentido vale destacar a noção de trazida por Maria da Glória Gohn , em que o movimentos sociais são ações sociais coletivas de caráter sociopolítico e cultural que viabilizam formas distintas de a população se organizar e expressar suas demandas (cf. Gohn, 2008).
Ainda de acordo com Gohn, no texto Movimentos Sociais na Contemporaneidade, os movimentos realizam diagnósticos sobre a realidade social, construindo proposições. Por meio da atuação em redes, proporcionam ações coletivas que agem como resistência à exclusão e lutam pela inclusão social. Constituem-se por desenvolver o chamado empowerment de atores da sociedade civil organizada enquanto criam sujeitos sociais para essa atuação em rede.
Para a autora, os movimentos sociais possuem identidade, têm opositor e articulam ou fundamentam-se em um projeto de vida e de sociedade. Eles se caracterizam pela luta contra a exclusão, por novas políticas de inclusão. Tem-se igualdade ressignificada com a tese da justiça social; a fraternidade redesenhada em solidariedade; a liberdade associada ao princípio da autonomia – da constituição do sujeito, não individual, mas autonomia de inserção na sociedade, de inclusão social, de autodeterminação em busca da soberania.
A aprendizagem no interior de um movimento social, durante e depois de uma luta, são múltiplas, tanto para o grupo como para indivíduos isolados. Tal dinâmica de embates, diálogos e resistência mobiliza saberes, saberes estes não articulados no sistema de educação formal em que estamos inseridos, pois a educação não se resume a essa educação escolar a que estamos acostumados, realizada na escola propriamente dita. As aprendizagens e produção de saberes pode ocorrer e ocorre em outros espaços, denominados no texto como "educação não formal". Além disso, a participação social em movimentos e ações coletivas também faz parte desse contexto, mobilizando saberes de aplicação prática no cenário político das comunidades e no interior dos movimentos.
Nesse sentido o Coletivo Ibura + Cultura tem sido mobilizador de saberes por meio da cultura, das expressões de diversidades e por meio do diálogo que estabelece entre os sujeitos da comunidade.
É por meio de redes de articulações que os movimentos se estabelecem na prática cotidiana e estas são relacionadas com a conjuntura política, econômica e sociocultural do país durante as articulações.
Para fortalecer o alcance de sua ações, os movimentos sociais lançam mão de diferentes estratégias de atuação que variam de uma simples denúncia passando pela pressão direta (mobilizações, marchas, concentrações, passeatas, negociações etc.) até as pressões indiretas. Atualmente, os principais movimentos utilizam-se de estratégias de comunicação por meio das redes sociais, locais regionais, nacionais, internacionais ou transnacionais, além dos novos meios de comunicação e informação como a internet.
O Ibura + Cultura se caracteriza pela pluralidade de suas estratégias de atuação através de um diverso repertório cultural, político e social. Na comunidade do Ibura tem se caracterizado por uma teia de relações bem agregadora, pois dialoga com as antigas lideranças ao mesmo tempo em que dialoga e faz parcerias com o Favela LGBT e o OPI (Organização de pichadores do Ibura).
3 METODOLOGIA
Diante do que pretendíamos sentir, conhecer e aprender sobre o Ibura + Cultura foi importante que esse estudo se desenvolvesse de maneira qualitativa, pois metodologicamente “ela trabalha com o universo dos significados, dos motivos, das aspirações, das crenças, dos valores e das atitudes” (MINAYO, 21, 2009).
A pesquisa, que partiu de provocações dadas pelos professores ganhou caminhos próprios no seu desenvolvimento até “retornar” à universidade, dessa vez tocada pelas experiências vividas pelo contato com o coletivo Ibura + Cultura.
Entendemos a necessidade, enquanto estudante de pós-graduação, em articular métodos para coletar informações, que por sua vez, gerarão subsídios para uma análise que certamente trará perspectivas de “verdades” sobre aquele fenômeno(objeto estudado). Todavia, enquanto militantes pelo direito à vida, e isso inclui o enfrentamento de tudo que aprisiona as nossas humanidades e subjetividades. Reconhecemos que este é um relato de movimentos que acontecem no Ibura, protagonizados por estes jovens e moradores da comunidade.
Fomos aprendizes nessa experiência de observação participante, investigando e colaborando, nesse sentido, sem nenhum conflito com os nossos lugares de falas. Ao contrário, foi de ajuntamentos e afetos. E, como já dito, esta é uma vivência de ativismo que se coaduna ao de pesquisadorxs para registrar e refletir, jamais justificar, os saberes produzidos nas favelas e periferias do Ibura. Nós os reconhecemos enquanto inteligências e epistemes. Logo, metodologicamente, trata-se de uma escrita a partir de outras escritas, um relato de co-autoria.
O exercício investigativo também perpassa por reconhecer que olhamos para os acontecimentos a fim de percebê-los, de nos percebermos neles, refletindo criticamente, pois ele acontecem antes mesmo de descrevermos. O ato de adentrar à práxis como esta, qualificação do nossos sentidos, (re)direcionando nosso olhar para o que acreditamos valorizar em nossa sociedade tão desigual. Não fazia sentido algum dialogar com o Ibura+Cultura propondo um formato. Aliás, o grupo estava cansado de atender as demandas acadêmicas, sem uma contrapartida, um chega junto da academia, sem se sentirem objetos.
Foram 2 encontros presenciais e conversas por meio de telefone e rede social. O primeiro encontro ocorreu na casa de Lídia e Túlio, na UR 10 Ibura. Chegamos, a partir de uma relação já estabelecida com o território e alguns integrantes do coletivo, o que facilitou a abertura para um diálogo franco. Utilizamos o gravador de celular e nos apresentamos, expondo nossas visões sobre sermos negrxs, periféricos e universitários. Posicionamos nossas pautas políticas em meio ao cenário que nos encontramos. Deixando escurecido a proposta da disciplina e a nossa disposição para atuar juntos ao coletivo da maneira que fosse possível.
O segundo encontro contemplou nossa participação na intervenção sugerida pelo coletivo, para o dia das crianças, na UR-10 Ibura, intitulada de “A rua é dos erês!”. Erê é uma palavra em yorubá, utilizada pelos terreiros de candomblé. Traduz popularmente o significado de brincadeira/criança. Os erês são celebrados pelo povo de matriz africana, é muito presente para identificar todas as crianças, sua pureza, encantamento, brincadeira e alegria.
O diálogo via rede social, ajudou a otimizar a participação daqueles que colaboraram com as várias formas de recursos para a festa das crianças acontecer conforme planejado pelos grupos Ibura+Cultura e Favela LGBTQ+. Além de estreitar o diálogo com o coletivo, os atualizando sobre a nossa participação e articulações para o grande dia.
3.1 Etapas da pesquisa
A proposta
Esse processo foi iniciado durante as aulas da disciplina de “Movimentos Sociais, Identidades e Cidadanias Interculturais” que ocorreram no segundo semestre de 2019, na Fundação Joaquim Nabuco, em Apipucos. Logo nas primeiras semanas de aula fomos provocadas/os pelos professores a pensar nos movimentos sociais e na sua historicidade. Além disso, foi recorrente a reflexão de que diante um contexto neofascista em que o Brasil está inserido, onde a educação e os movimentos sociais são os eixos que mais sofrem era preciso buscar alternativas. Entre essas alternativas, imaginamos, está um diálogo maior entre os movimentos sociais e a acadêmia; entre a teoria e a prática. Nessa conjuntura esse diálogo é uma potente estratégia de resistência.
A partir dessa ideia, os professores nos propuseram que em grupo escolhêssemos um movimento social para que pudéssemos nos aproximar e da nossa maneira encontrar possibilidades para essa conversa. Naquele momento, foi também colocado como interessante a possibilidade de uma “roda de diálogos” entre o movimento social escolhido e a comunidade acadêmica. A escolha do grupo ocorreu de maneira bastante interessante: ficamos em pé em círculo dentro da sala a pedido dos professores. Em cada estudante falou uma palavra que tivesse relação com a sua pesquisa e a partir disso fomos nos agrupando de acordo com as nossas afinidades.
Formamos um grupo composto por Ana, Chrys, Jamila, Lilian, Pedro e Sandra e logo em seguida nos reunimos ainda em sala de aula para escolher um movimento social e um tema. Durante a conversa foi muito importante contar a atuação e a experiência de Jamila, Pedro e Chrys em atividades ligadas a coletivos e/ou ONG’S no território do Ibura. Por seu destaque nesse quesito, o Ibura ganhou destaque na reunião junto com o nome de dois coletivos compostos por jovens desse território: o Favela LGBTQ+ e o Ibura + Cultura. Ambos nos tocavam pelas suas potencialidades, pelo sentimento de pertencimento ao espaço e pelo caráter dissidente das/os suas/seus componentes.
Saímos da reunião/aula com algumas anotações e muitas expectativas. Para quem não os conhecia a expectativa era a de aproximação e para aquelas/es que já conhecia o desejo era de retornar. Para a próxima etapa, um de nós (Pedro) ficou com a responsabilidade de manter contato com os coletivos, enquanto os/os outros integrante do grupo pesquisava informações sobre os coletivos nas redes sociais, principalmente.
Contato
Apesar de já bastante interessadas/os pelos dois coletivos tivemos que lidar com a imprevisibilidade quando Pedro informou da dificuldade de manter contato com o coletivo Favela LGBTQ+. Havíamos tentado por alguns dias e de várias maneiras, mas não obteve resposta em tempo hábil para que o nosso estudo pudesse seguir dentro do tempo estimado.
Apesar de bastante interessadas/os pelos dois coletivos tivemos que lidar com a imprevisibilidade quando percebemos a dificuldade de manter contato com o coletivo Favela LGBTQ+. Ele havia tentado por alguns dias e de várias maneiras, mas não obteve resposta em tempo hábil para que o nosso estudo pudesse seguir dentro do tempo estimado.
Diante disso, voltamos às nossas atenções para o Ibura + Cultura e conseguimos marcar uma entrevista com alguns dos integrantes. Nesse momento Jamila e Pedro estiveram no Ibura e puderam realizar a entrevista com 04 componentes do coletivo, uma componente estava em um evento de articulação política do coletivo e não pode comparecer. A entrevista aconteceu na casa de Lídia e Túlio, na UR-10 Ibura. E contou também com a presença de xxxx e yyy. Iniciou um pouco após do que havíamos agendado em virtude das demandas que os jovens possuem para suprir suas necessidades pessoais e familiares, os dois integrantes do grupo precisaram andar uns 3 km para chegar até o local da reunião.
No relato que durou cerca de uma hora, os membros puderam apresentar de forma dialogada o coletivo, as suas ações e os desafios enfrentados no cotidiano. O coletivo surgiu no movimento de ocupações de escolas públicas que aconteceu no ano de 2016, quando alguns membros do coletivo ainda eram estudantes do ensino médio e foram presos durante o processo de ocupação da escola estadual no Ibura. Foi relatado pelos jovens que as ocupações que aconteceram e escolas longe do centro e dos holofotes midiáticos sofreram uma grande repressão policial e não duraram muito tempo. A partir desse sentimento de ocupar o seu bairro e reconfigurar com seu jeito e forma de ser o espaços públicos é que eles se uniram para formar o coletivo. Alguns jovens passaram pelo coletivo, porém os 05 que estão no momento foram os que construíram e constituíram e identidade e ações do grupo.
O coletivo tem como suas principais ações realizar atividades em espaços públicos da comunidade e formações com um público diverso. Eles destacam uma atividade que realizaram durante uma semana, nas férias escolares, para crianças e adolescentes da comunidade com atividades de cinema, leitura, grafite, culinária e desenho. Essa ação contou com participação massiva das crianças, sendo esta a primeira atividade para esse público específico e que obteve um engajamento e retorno bastante positivo.
O grupo se reúne toda semana, aos sábados, no mesmo local onde aconteceu a entrevista com o intuito de programar suas ações. Em todas as atividades relatadas foi constatada a presença de parcerias com outros coletivos, ongs, mandatos de parlamentares de esquerda, universidades e até a participação em editais de organizações internacionais. Nesse dia, eles se preparavam para organizar uma ação voltada para as crianças da comunidade. A ação iria acontecer em um espaço onde cotidianamente ocorria prisão e assassinato de adolescentes/jovens e que, portanto, queriam ocupar o espaço e de alguma forma mudar sua referência, ressignificando as experiências e trajetórias daqueles que iriam participar com o espaço.
Na entrevista, os integrantes nos contam que a demanda urgente daquele momento era conseguir parcerias para a realização da festa do dia das crianças na comunidade. A ideia era adquirir brinquedos, alimentos e ajuda voluntária para a realização de oficinas. Diante disso, levamos essa pauta para aula e sinalizamos algumas propostas: a necessidade do grupo de contar com ajuda financeira e de recursos materiais; a necessidade do grupo de contar com pessoas que pudessem oferecer uma oficina para as crianças no dia da atividade e a possibilidade de que a ‘roda de diálogo” fosse substituída pela participação das/os discentes e professores na atividade proposta pelo coletivo.
O primeiro retorno a sala de aula
A apresentação do coletivo aos colegas de sala e aos professores foi introduzida por uma breve encenação em que um corpo negro é alvejado (em sala escura) seguida de sons de uma metralhadora. Após os tiros,o corpo é retirado e demarcada a silhueta deste corpo com giz no piso da sala. Seguem-se então alguns questionamentos: De quem é aquele corpo? Ele tem cor? Qual é a cor? Ele tem classe? Onde ocorrem ações policiais como essa? De forma essas execuções são realizadas?
Na sequência, exibiu-se em slides a composição do grupo, sua dinâmica de atuação na comunidade, por meio das ações já realizadas pelo grupo e amplamente divulgadas nas redes sociais. Seguem algumas das ações na comunidades do Ibura de forma capilarizada em todas as URs no formato de divulgação nas redes sociais:
Mostra de cinema seguida de debates
Ação de lazer com crianças e adolescentes
Sarau para incentivar a produção poética da comunidade.
Roda de diálogo sobre Feminismo.
Momento de conscientização política para a comunidade
Dia das crianças
1. relato do que ocorreu no dia
Chegamos cedo no UR-10 para nos preparar conforme combinamos antecipadamente como coletivo. Reafirmamos que esta foi uma atividade encabeçada pelo coletivo e coletiva, Ibura + Cultura e o Favela LGBTQ+, ambos da comunidade do Ibura. Outras entidades e pessoas também colaboraram direta e indiretamente para ato formativo e recreativo para as crianças acontecer.
Tocamos na perspectiva recreativa e formativa da ação, pois
A incidência de
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