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Mostra Pankararu de Música: memória coletiva, identidade e futuro ancestral 

Atualizado: 8 de abr. de 2024

Autores/as

Daniel José dos Santos Filho

Eduardo Paysan Gomes

Emmanuela Nascimento da Silva

Fabíola Cavalcanti Maciel 


INTRODUÇÃO

O presente trabalho se inscreve no contexto da disciplina Movimentos Sociais, Identidades e Cidadanias Interculturais, do PPGECI/UFRPE-FUNDAJ, onde foi pautada a discussão sobre os 20 anos da Lei nº 10.639/2003 e os 15 anos da Lei nº 11.645/2008, a partir de uma Rede Colaborativa Interinstitucional, integrada pelo PPGECI.

Sendo assim, o grupo em questão optou por abordar a Cultura e Educação Indígenas, a partir da Mostra Pankararu de Música.

Segundo informações disponibilizadas pelo site do Instituto Socioambiental sobre os Povos Indígenas do Brasil, a respeito do Povo Pankararu:


A Terra Indígena Pankararu, homologada em 1987, está localizada entre os atuais municípios de Petrolândia, Itaparica e Tacaratu, no sertão pernambucano, próximo ao rio São Francisco. Sua forma é a de um quadrado perfeito e corresponde à memória que os Pankararu mantêm da doação imperial de uma sesmaria à missão religiosa que aldeou seus antepassados durante os séculos XVIII e XIX. A única notícia oficial da presença de um aldeamento religioso no local, do qual não há o registro de fundação, diz respeito à sua extinção, em 1878.

Localizada no Sertão de Pernambuco, portanto, a participação presencial na mostra só foi possível por parte de um dos alunos integrantes do grupo, o qual reside naquela localidade, tendo realizado alguns registros de sua realização. A IV Mostra Pankararu de Música ocorreu entre os dias 07 a 10 de setembro de 2023. O tema desta edição foi “Afro-Indigenismo nas Artes e suas Confluências”, um convite para a reunião de povos, com o objetivo de difundir e fortalecer as culturas originárias. A Mostra Pankararu de Música é pensada e realizada coletivamente pelo Povo Pankararu, que recebeu cerca de 4 mil visitantes, nos três dias de evento, para vivência e troca de saberes, experiências e culturas.


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A PRODUTORA


A Aio Conexões, produtora proponente da Mostra Pankararu de Música, que em 2023 chegou a sua quarta edição, assim se descreve no Mapa Cultural de Pernambuco:

Produtora Cultural Indígena com sede em uma antiga igreja evangélica desativada, que passa hoje por processo de ressignificação, em T.I. Pankararu. A Aió possui identidade jurídica desde o ano de 2010, e vem realizando, por meio de parcerias e iniciativas próprias, ações culturais e de fortalecimento da identidade indígena.

Não apenas coordenando a Mostra, mas com diversas atividades ligadas à educação, cultura e agroecologia, a produtora simboliza, desde seu surgimento, pedra fundamental de resistência à tradição e memória coletiva do Povo Pankararu, etnia do sertão de Pernambuco com territórios nas cidades de Petrolândia, Jatobá e Tacaratu.


O POVO PANKARARU


Seu aldeamento chamado “Brejo dos Padres”, cuja origem não está bem esclarecida, mas se situa entre o final do século XVIII e o começo do século XIX, enfrentou, como todo povo originário vítima da colonização, por conflitos de terra, massacres, saques, apagamento da língua original, territórios e cachoeira sagrada devastadas pelo dito “desenvolvimento” a partir da construção da barragem e hidrelétrica de Itaparica.

Nos dias atuais, os ataques e violência ora vêm de forma subliminar, ora explícita e das diversas formas de resistência reside na cena cultural seu mais forte empenho. São diversos artistas que se declaram Pankararu produzindo e propagando sua arte: cinema, música, artes plásticas, artesanato, literatura, ciência pelo mundo.

Nosso trabalho faz o recorte específico da Mostra que em sua quarta edição trouxe o tema “Afro-Indigenismo nas Artes e suas Confluências” e aconteceu entre os dias 7 e 10 de Setembro na Aldeia Bem Querer de Cima com um público estimado de 4 mil participantes para troca de saberes, experiências e culturas diversas.

Gean Ramos Pankararu, compositor, músico, idealizador do projeto declarou sobre seu sentimento ao final da Quarta Edição para a Natura Musical (Instituto patrocinador do evento) a partir dos temas: diversidade, coletividade e riqueza:

Minha primeira impressão sobre a curadoria foi de representatividade. Estar em um processo coletivo e diverso dá um conforto de saber que é uma proposta horizontal para todos os projetos. Isso me deixa muito contente e tranquilo. Depois me dá um senso de responsabilidade incalculável, porque é uma cascata de sonhos em forma de projetos de música. E o que mais me chamou atenção foi o quanto existem manifestações artísticas no país, como nós somos diversos e potentes e como há riquezas por todos os cantos. Riquezas culturais, artistas incríveis, criativos, fortes, representativos e tantas outras coisas.

Pudemos fazer as observações dessa potência cultural in loco, cobrindo dois dias de evento, mas também acompanhando os registros audiovisuais disponíveis no Instagram da Mostra e Canal.

No segundo dia da mostra (8) a coalizão afroindigenismo esteve presente na roda de conversa com o próprio Gean enquanto moderador, Lucas dos Prazeres, Cláudia Truká e Chiara Ramos sobre como a oralidade salvaguarda o patrimônio cultural, assim como a educação é instrumento para a desconstrução da colonialidade e a justiça ser “uma mulher negra”.

Apresentaram a concepção de justiça ancestral materializada no coletivo de juristas pretas “Abayomi Juristas Negras”, cujo combate ao racismo institucional acontece ocupando espaços de poder. O coletivo prepara mulheres para concursos públicos, com a auxílio para entrada na academia jurídica, no mestrado e doutorado e também em outros espaços.

Trouxeram ainda ao cerne do debate a arte e educação caminhando juntas para união do povo preto e indígena para dezenas de estudantes de escolas indígenas e não indígenas do ensino público básico, cujo participação foi garantida de forma gratuita, participaram atentamente das discussões, construções e desconstruções.

As representações culturais do dia ficaram com a o Buzzo Pankararu somado à tradição do povo originário Fulni-ô e o coral infantil Pankararu organizado pelas escolas indígenas. Durante a apresentação do Buzzo, instrumento de sopro feito de bambu, assim como no toré era possível observar crianças vidradas, acompanhando o ritmo, repetindo o movimento do maracá, ainda que com mãos vazias, e a pisada forte integrada ao movimento cultural. Como bem explanou Lucas na roda de conversa: “A música é a primeira marca originária de um povo”, e é assim que, mesmo sob todas as formas de ataques durante séculos, a tradição permanece por gerações. 

Pela noite as atividades culturais seguiram com a apresentação da peça: “Pedra de Fogo”, Afro forró com Ivan Greg, Edivan Fulni-ô e Pedro Pankararu, Lucas dos Prazeres e  Zé Manoel.

O terceiro dia de Mostra iniciou com aula de campo sobre Agroecologia, com plantação e discussão sobre o processo para os participantes, seguiu com roda de conversa sobre Justiça Ancestral, conduzido por Chiara, elencando como o processo de colonização foi e permanece brutal com o povo preto e indígena. A participação na roda contou com presença de professores da rede estadual, estudantes, crianças, artistas. A primeira apresentação musical foi apresentada por Valber Félix, indígena Potiguar.

Final da tarde, anoitecendo, os participantes foram atravessados pelos toantes do Canto Sagrado. Momento de muita emoção e imersão ancestral. Após o jantar, servido em louça de barro produzido pelas loiceiras indígenas Pankararu, seguiu a confluência de ritmos e recortes culturais com o Reisado Pankararu, Siba Puri, Afoxé Filhos de Zazé, Se Orú-Obaí e Gean Ramos.

Segundo o site do Instituto Socioambiental sobre o Povo Indígena Pankararu e o ritual do Toré:

Os elementos constituintes do sistema ritual do Toré Pankararu estão divididos entre: A) personagens: os Encantados, os Praiá, os pais de Praiá e os dançadores; B) situações rituais: o particular e o Toré público, que podem assumir o caráter de simples demonstrações teatrais, como expressão folclórica, ou serem dedicados ao culto dos Encantados, ligados ou não ao pagamento de promessas; e C) locais: as cachoeiras, serrotes, casas e terreiros.

Ainda, sobre aspectos cosmológicos do Povo Indígena Pankararu, o site do ISA informa:

Assim como o Toré é o centro do complexo ritual Pankararu, os Encantados são as figuras centrais de sua cosmologia. “Semente” é a forma material pela qual os Encantados se manifestam pela primeira vez aos Pankararu. Os Encantados são “índios vivos que se encantaram”, voluntária ou involuntariamente e, por isso, o culto a eles, como insistem os Pankararu, não pode ser confundido com o culto aos mortos. A forma desse “encantamento” só pode ser parcialmente narrada, seja porque constitui um mistério para os próprios Pankararu, ou um segredo que não pode ser revelado a estranhos.

RODA DE DIÁLOGO EDUCAÇÃO E CULTURA INDÍGENAS


A fim de compartilhar tais questões observadas, in loco, na IV Mostra Pankararu de Música e outras questões ligadas à cultura e educação indígena, foi realizada uma Roda de Diálogo na FUNDAJ do Derby, em 14/11/2023, com as presenças de Niedja Batista e o Cacique Marcelo Pankararu, com a temática “Educação e Cultura Indígena nos Movimentos Socias Indígenas de Pernambuco”.

A Roda de Diálogo se constituiu em um rico espaço de trocas entre os presentes a respeito da vivência do povo indígena Pankararu acerca de sua Cultura e Educação, sendo também assinalada a questão do racismo contra a população indígena. Além desses pontos, foi levantada a questão sobre a importância da participação política e da ocupação de espaços institucionais de decisão pela população indígena, a fim de enfrentar os diversos desafios enfrentados por essa parcela da população, que é bastante subrepresentada.


CONSIDERAÇÕES FINAIS


A Mostra de Música e todos os trabalhos realizados pela produtora Aió Conexões carregam o compromisso social, desde sua origem, de manter viva e resistente a tradição, mas, principalmente, em ampliar a missão em unificar as lutas e expressões do povo. É cultural, é pedagógico, mas, principalmente, contra colonial.

Em “Metade Cara, Metade Máscara”, Eliane Potiguara destaca:


A coisa mais bonita que temos dentro de nós mesmos é a dignidade. Mesmo se está maltratada. Mas não há dor ou tristeza que o vento ou o mar não apaguem. E o mais puro ensinamento dos velhos, dos anciãos parte da sabedoria, da verdade e do amor. Bonito é florir no meio dos ensinamentos impostos pelo poder. Bonito é florir no meio do ódio, da inveja, da mentira ou do lixo da sociedade. Bonito é sorrir amar quando uma cachoeira de lágrimas nos cobre a alma! Bonito é poder dizer sim e avançar. Bonito é construir e abrir as portas a partir do nada. Bonito é renascer todos os dias. Um futuro digno espera os povos indígenas de todo o mundo. Foram muitas vidas violadas, culturas, tradições, religiões, espiritualidade e línguas. (pág. 87. Cap. 4)

Não apenas a Mostra, mas todo o trabalho organizativo proposto pela produtora Aió e seu idealizador o artista Pankararu Gean Ramos fazem florescer essa resistência evocada por Eliane. É mais do que “só” manter viva a tradição, mas renová-la, trazê-la aos mais jovens, conectar a força ancestral do individual ao coletivo em suas mais variadas formas de expressão na unidade do Afro-indigenismo a promover um Futuro Ancestral, proposto por Krenak, que permita todas as futuras gerações conviver em um mundo justo e ecologicamente sustentável.

Em complemento, a realização da Roda de Diálogo sobre a Cultura e Educação Indígenas a partir do povo Pankararu permitiu uma rica troca de saberes sobre questões que são pouco abordadas, de uma forma geral, contribuindo para tirar da invisibilidade algumas questões em relação a essa parcela da população, a qual faz parte dos povos originários, mas ainda sofre diversos tipos de opressões, no Brasil. Reforçar a Cultura e a Educação indígenas, sem dúvidas, são formas importantes de resistência desses povos, respeitando toda sua ancestralidade.

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