Projeto Jardins de Saberes: um movimento educativo
- Maria Telma Pedro
- 5 de dez. de 2022
- 6 min de leitura
Atualizado: 25 de mar. de 2024
Autores/a
Gustavo Henrique Lira da Silva
Maria Telma Pedro
Pedro Jorge Coutinho Guerra
O Projeto Jardins de Saberes, partindo do compromisso educacional que movimentos como este tem em territórios subalternizados, trazendo inter-relações entre diferentes culturas dentro da comunidade. Este processo educacional gerou frutos como o Ebook titulado de “Ebook: Kosi ewe, Kosi Orixá”, como também uma instigante roda de conversa com sua coordenadora, Tainã, que ocorreu no prédio do Cinema da Fundação Joaquim Nabuco no Derby, na disciplina de Movimentos Sociais, Identidades e Cidadanias Interculturais do Programa de Pós-Graduação em Educação, Culturas e Identidades (PPGECI) da Universidade Federal Rural de Pernambuco (UFRPE).
O projeto tem como um dos seus objetivos, contribuir para a recuperação da memória ritualística e histórica da utilização das folhas no culto Jeje-Nagô, como também a interdisciplinaridade da antropologia, biologia e história, transformando a Roça Oxaguiã Oxum Ipondá o campo principal que esses conhecimentos se atravessam. Segundo Gohn (2011) essa relação de Movimento Social e Educação existe exatamente a partir das práticas e ações de grupos.
A relação movimento social e educação foi construída a partir da atuação de novos atores que entravam em cena, sujeitos de novas ações coletivas que extrapolavam o âmbito da fábrica ou os locais de trabalho, atuando como moradores das periferias da cidade, demandando ao poder público o atendimento de suas necessidades para sobreviver no mundo urbano. Os movimentos tiveram papel educativo para os sujeitos que o compunham GOHN, 2011.p. 334)
De acordo com Boudon e Bourricaud, os Movimentos Sociais podem constituir-se em torno de interesses em comum e serem promovidos e defendidos enquanto uma educação. Sendo assim, nosso trabalho tem como objetivo geral: compreender o papel educativo do Projeto Jardins de Saberes. Para tanto foi necessário: I) analisar o e-book KOSI EWE KOSI ORIXÁ; II) Identificar as ações realizadas pelo projeto e III) sistematizar as informações necessárias sobre as ações e os apontamentos feitos na roda de diálogo.
Seguimos neste trabalho uma caminho metodológico de uma abordagem qualitativa, tendo como método de coleta de dados a análise documental e uma roda de conversa. Para tanto, antes de ocorrer a roda de conversa fizemos a utilização de um questionário com a participante como um meio instrucional de suas falas.
Por meio da análise feita no e-book KOSI EWE KOSI ORIXÁ, tivemos condições de conhecer o Jardim dos Saberes, como o próprio surgiu, os movimentos que as folhas operam no culto e na comunidade, o papel educativo deste elemento dentro dos cultos na religião, entre tantos outros pontos.
Conhecendo o Jardins de Saberes
O Jardins de Saberes é um projeto voltado a agroecologia, juventude, gênero e raça que foi criado dentro da Roça Oxaguiã Oxum Ipondá, terreiro de matriz africana de tradição Jeje-Nagô que tem como sacerdote o Bababalorixá Junior de Ajagunã, e sacerdotisa Geni de Oxum Ipondá, e também tem participação do Instituto Social Ogbô Ayê. Fica localizado dentro do córrego do Jenipapo, periferia de Recife, na Zona Norte da cidade. O projeto tem como coordenadora, desde o início, a egbami (filha/irmã mais velha) Tainã Moema, estudante de Ciências Sociais pela Universidade Federal Rural de Pernambuco (UFRPE) que nos disponibilizou documentos para que possamos analisar e obter mais compreensão sobre o projeto. Esse projeto surgiu de um sonho coletivo durante a pandemia, sobretudo partindo da dinâmica própria das juventudes do terreiro por meio da suas inquietações.
Segundo Gohn (2011) movimentos como esses surgem sempre na luta pela justiça social e contra a exclusão de minorias. A princípio, o Jardins de Saberes veio ter como estratégia o combate à violência religiosa em prol de uma mobilização cidadã que garantisse a conscientização sobre racismo e preconceito. E para isso foram necessárias algumas ações como a Oficina de Etnografia para os estudantes e pesquisadores do terreiro e da comunidade do Córrego do Jenipapo, distribuição de mudas para a comunidade, oficina de dança e letramento racial em que levou os estudantes do ensino médio da rede pública estadual para dentro do terreiro, além de dialogar com Secretaria executiva de Agricultura Urbana, Secretaria da Juventude e Secretaria de Igualdade Racial da cidade do Recife. Também tem como entidades de referência o Coletivo Jenipapo em Foco, o Movimento de Apoio Periférico, Pastoral da Juventude da Arquidiocese de Olinda e Recife, Maracatu Estrela Brilhante do Recife (entidade arcabouço) e a Associação Sítio Ágata.
Em parceria com a Associação Sítio Ágata e seu projeto Fortalecendo Laços Quilombolas, o Jardins de Saberes realizou uma vivência do Axé Sustentável no terreiro, onde tivemos uma oficina de construção do fogão agroecológico e da Horta Vó Biu, em homenagem a Vó Biu de Ogum uma ancestral do terreiro, sobre a qual está sendo realizada uma pesquisa em sua memória, através do edital Casa Sueli Carneiro Laboratório de Memórias Negras e Soluções Ambientais.
Em 2021 com o auxílio do edital da Lei Aldir Blanc (LAB) o projeto desenvolveu um inventário etnobotânico, que resultou em um ebook “KOSI EWE KOSI ORIXÁ”, o qual liga o terreiro ao território e também ao mercado, sendo os caminhos que as folhas percorrem dentro da Roça Oxaguiã Oxum Ipondá e a lógica como elas dialogam com a necessidade da comunidade.
Sobre a Lei aldir Blanc:
Dispõe sobre ações emergenciais destinadas ao setor cultural a serem adotadas durante o estado de calamidade pública reconhecido pelo Decreto Legislativo nº 6, de 20 de março de 2020 (Diário Oficial da União).
Lei de incentivos e fomento a cultura como a LAB tem ajudado terreiros de matriz africana e territórios quilombolas como uma nova forma de resistência em tempos de neo-colonização, trazendo uma inter-relação da sua educação, sua ancestralidade e sua cultura com a comunidade e instituições ao seu redor.
Ebook: Kosi ewe, Kosi Orixá
O candomblé não seria o mesmo sem as folhas, pois as folhas no candomblé são as forças que guiam as diversas cerimônias que acontecem na religião. Cada folha no culto Jejê-Nago tem sua função, como por exemplo, curar o corpo que está doente,seja essa doença de alma ou físico, como também para abrir caminhos. Além dessa ligação das folhas com o Candomblé, também pode destacar aqui a interligação que a religião tem com a natureza.
As folhas sagradas têm papéis fundamentais nas religiões de matriz africana, especificamente no candomblé, essa relação das folhas e da religião foi bem demarcado no ebook. No mesmo é possível observar em depoimentos de alguns entrevistados que as folhas são um todo do culto. “Kosi ewe kosi orixá, sem folha não tem orixá, sem folha não tem axé, sem folha não tem magia, sem folha não tem caminho. Tudo o que a gente vai fazer dentro do candomblé tem que ter folha.” (Babalorixá). Para além destas folhas serem utilizadas no culto, ela também é usada pela comunidade. Essa parte foi mais abordada no diálogo com Tainã, pois ela trouxe essa relação de movimentos que as folhas da horta plantadas por eles são utilizadas neste dois espaços.
Contudo, o Jardins de Saberes teve uma grande contribuição para ampliação dos nossos olhares acerca das concepções de Movimentos Sociais. Trouxe sua influência decolonial acerca das epistemologias que circulam em lugares subalternizados como o Terreiro de Candomblé.
O que nos chama atenção no e-book é que eles trazem o Terreiro e a comunidade como produtores dos próprios conhecimentos através das folhas sagradas, dialogando com áreas de conhecimento ocidental como a ciência. Saberes que são ancestrais, passados através da oralidade, escuta e observação, que são uma das heranças mais importantes guardadas nas memórias do povo de tradição africana.
Outra questão pertinente e não menos importante é a criação de políticas públicas voltadas ao incentivo a arte e cultura, que trazemos como exemplo a lei Aldir Blanc. Políticas públicas como esta servem como subsídio para a resistência de povos tradicionais que são atacados constantemente e tem seus direitos violados sempre, já que estamos vivendo um neocolonialismo dentro das comunidades com as igrejas pentecostais.
Já a roda de diálogo com Tainã, nos proporcionou entender com mais profundidade e detalhes sobre o projeto Jardins de Saberes. O diálogo trouxe a importância de projetos como esse dentro de um Terreiro e de uma comunidade em situação de vulnerabilidade, principalmente em um período pandêmico, em que a solidariedade se fez muito importante para que pessoas sobrevivessem, já que as políticas públicas em nosso país são extremamente burocráticas e de difícil acesso.
TROCANDO SABERES

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