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RESISTÊNCIA E ESPERANÇA: OCUPAÇÕES DE ARTISTAS LOCAIS NA BUSCA POR VISIBILIDADE E JUSTIÇA SOCIAL

Andréa Thaynara B. Ribeiro S. Lima

Ênio Felipe Pereira Lima

George André Pereira de Souza

Glieldeson Alves da Silva


Com o objetivo de descrever Os processos de ocupação e resistência das(os) artistas(os) das culturas locais nas cidades de Arcoverde e Paulista, ambas no estado de Pernambuco, especificamente relacionados de forma direta à Estação da Cultura em Arcoverde e ao coletivo M1 no bairro de Maranguape 1 no município de Paulista. Desenvolvemos a pesquisa de campo que utilizou uma abordagem qualitativa, pois, para Minayo (2016)


o foco nos estudos qualitativos traz uma diferença em relação aos trabalhos quantitativos que não é de hierarquia e sim de natureza. Enquanto os cientistas sociais que trabalham com estatística visam criar modelos abstratos ou a descrever e explicar fenômenos que produzem regularidades, são recorrentes e exteriores aos sujeitos, a abordagem qualitativa se aprofunda no mundo dos significados (MINAYO, 2016, p. 21).

Assim, buscamos trilhar um percurso através de entrevistas e análise documental e de arquivos pessoais de forma que pudéssemos i) investigar a origem e a motivação do processo de ocupação na Estação Ferroviária da cidade de Arcoverde-PE e no Mercado público do bairro de Maranguape 1 em Paulista-PE; ii) compreender o contexto histórico das culturas local no recorte temporal de ocupação; e iii) analisar as relações interpessoais dos(as) sujeitos(as) com os locais ocupados e as culturas locais no que concerne o processo de resistência e manutenção de ações artísticas.

Para isso, contamos com as preciosas memórias dos artistas Alex Pessoa, que esteve desde o início da ocupação em Arcoverde, sendo ele a primeira pessoa a retirar as telhas do telhado e ter acesso ao Espaço da Estação Ferroviária de Arcoverde e Ney Mendes, ex-presidente da Associação Estação da Cultura que, embora tenha chegado ao espaço ocupado dois anos depois, nos relatou com detalhes memórias não vividas, mas construídas a partir de um projeto de coletividade. Já sobre o coletivo M1 em Maranguape I, temos os relatos e as experiências de Glieldson Alves (Guill), morador do bairro, artista, militante social, integrante original da banda Arquivo Morto e um dos criadores do coletivo.

Dessa forma, o texto que segue nos transporta aos momentos de ocupações, em que pretendemos dar visibilidade às motivações individuais e coletivas e aos afetos envolvidos em todo o processo.


Em Arcoverde…


O ano era 2001 e um grupo de 4 artistas da cidade de Arcoverde-PE, em busca de um local para reuniões, ensaios e apresentações, já que o único local que dispunham no momento era o espaço de espetáculos no SESC, porém sempre dependendo de disponibilidade dessa empresa privada, se vêm mobilizados a encontrar um local próprio. Na época, um elefante branco bem no centro da cidade era um forte atrativo: o Teatro Municipal estava com as portas fechadas e com a obra parada (pasmem! Se mantém até os dias atuais.), mas não era uma opção, pois a qualquer momento a prefeitura poderia dar ordem de despejo, caso os artistas estivessem ocupando esse local público, como explicou Alex Pessoa: “a gente não podia ocupar o Teatro (Municipal), pois legalmente já pertencia a Prefeitura. Então rapidamente poderíamos responder por uma reintegração de posse”.

Era necessária articulação, não apenas o desejo pulsante de um fazer cultural, mas uma racionalização acerca de ações legais, direitos, deveres, etc. Nesse momento, o trabalho coletivo era o grande segredo! Foi aí que a parceria de pessoas alheias ao grupo de artistas, foi importantíssima para a concretização do objetivo comum. Integrantes do Partido dos Trabalhadores (PT) no município, professores, advogados, dentre outros, se fizeram presentes, cada um em sua área. A ocupação carecia de organização!

Na terceira semana do mês de novembro do mesmo ano, dois dos quatro artistas que buscavam um local para desenvolver suas atividades, Alex Pessoa e Henri Pereira, em suas andanças pela cidade, notam o prédio da antiga Estação Ferroviária totalmente abandonado, esse prédio que causava receio à comunidade local, sendo até local de desova de um corpo, e atos de vandalismos, chamou a atenção desses dois artistas, que perceberam uma tentativa do poder local em solucionar essa situação já que haviam paredes de tijolos erguidas em volta do prédio. Contudo, o olhar atento dos artistas captou uma fresta, que dava visada para o interior. Foi aí, a partir desse olhar que tiveram noção do tamanho do espaço abandonado. “Ele (Henri) me pediu para olhar pela fresta. Ao olhar pela fresta eu vi um espaço enorme, abandonado, enquanto nós artistas não tínhamos nenhum espaço destinado para fins artísticos.”, lembrou-se Alex Pessoa.

Após um estudo minucioso acerca da disponibilidade do local para fins artísticos bem como das possibilidades de garantia dos(as) artistas estarem ocupando um espaço em condições legais, o dia e hora da ocupação foi determinado. Na madrugada do dia 17 de novembro de 2001, o grupo decide que a ocupação seria naquele dia, então se revezaram em duplas fazendo rondas em torno do local de forma a garantirem a segurança da ação. Às 6h da manhã, munidos de uma escada enorme, Alex sobe pelo telhado e têm acesso à Estação Ferroviária, abrindo as portas para os demais artistas entrarem com todos os itens que permitissem acampar naquele local.

Tomaram posse de um espaço abandonado e marginalizado para dar origem a um projeto coletivo que perpassou pelo fazer cultural e pela salvaguarda de um patrimônio ferroviário, imersos em sonhos, desejos e afetos, que contou com a colaboração e articulação de várias esferas, foi assim que a ocupação da Estação Ferroviária da cidade de Arcoverde deu certo, pois como nos contou Ney Mendes:

“assim que ocorre a ocupação, a Estação da Cultura já nasce juridicamente em forma de Associação. Tava tudo muito organizado, por isso deu tão certo!”

A Estação da Cultura em Arcoverde-PE segue produzindo a todo favor e lotando o espaço circulador a cada nova apresentação, porém os(as) integrantes almejam uma intervenção ampla na sociedade, de forma que a cultura e a arte tenham espaços privilegiados no cotidiano das pessoas, mas tal movimento não depende apenas do desejo, mas da compreensão, por parte da gestão pública, de que a arte muda vidas e modifica para melhor uma sociedade!

“A gente sabe que isso (a cultura e a arte) modifica vidas, como modificou a minha, modificou a dos meus parceiros que estão aqui dentro (na Estação da Cultura). Então, a gente sabe que isso salva, mas não dá pra ser só a gente. O poder público precisa entender isso, os governantes precisam entender isso! É uma estrutura muito maior do que a gente imagina. E hoje isso não é prioridade, tanto é que a gente não tem mais o Ministério da Cultura, por exemplo.”, pontuou Ney Mendes.


Em Maranguape…



Nos anos 90, a capital Pernambucana foi marcada por movimentos de contracultura, o mais emblemático que acabou de completar em 2022, 30 anos, foi Manguebeat. O movimento é marcado por uma hibridização das culturas populares com elementos das culturas globalizadas. Paralelo a Manguebeat a região metropolitana(RM) do Recife, também foi tomada pela fúria do punk rock hardcore, bandas como Devotos, Cambio Negro HC, Ataque Suicida, Elefante Verde influenciaram parte das juventudes das periferias, como o alto José do pinho, pexinhos, jardim Atlântico entre outras, o hardcore periférico foi um alto falante de enfrentamento do sistema opressor da época.

Entre estas periferias temos o bairro de Maranguape I, situado no município de Paulista na fronteira com Olinda dentro da RM de Recife. O bairro foi marcado por movimentos culturais durante toda sua história, e no início dos anos 2000, surgiu no bairro o que viram o ser o coletivo Maranguape 1 (M1). A partir da banda de hardcore Arquivo Morto, criada em março de 2001 surgiu na localidade o movimento, inicialmente chamado de “Grupo De Resistência Cultura O Grilo Falante" a partir do zine O grilo falante criado pela banda.

O coletivo é marcado por um pensamento não mercadológico de crescimento vertical nem financeiro, isso se deu no movimento, por suas características anarquistas ou melhor anarcopunk. O hardcore como desmembramento do punk, trouxe este lugar político anti-sistêmico de lutar e enfrentamento. O coletivo é o que Hakin Bey chama de ZONA AUTÔNOMA TEMPORÁRIA (TAZ).

A TAZ é uma espécie de rebelião que não confronta o Estado diretamente, uma operação de guerrilha que libera uma área (de terra, de tempo, de imaginação) e se dissolve para se refazer em outro lugar e outro momento, antes que o Estado possa esmagá-la (BEY, 2011, p.5)

O M1 é um grupo de resistência, em constante movimento pelos os espaços dos bairros periféricos e também das pessoas, como falou o próprio Guill em entrevista:

" É muito difícil pois é um coletivo que não tem um fim na captação formal de recursos".

Segundo ele, o primeiro recurso adquirido pelo grupo foi durante a pandemia do covid-19 através da Lei Aldir Blanc. A história no movimento mostra como o coletivo M1 funciona a partir da coletividade dos seus membros e dos outros coletivos, que se unem para viver e lutar nas periferias da cidade, do estado e do país. O movimento é um exemplo de autogestão, e lutar anti-sistema tem se mantido durante seus mais de 20 anos, sem nenhum apoio governamental e comercial. Sua base são as bandas e as comunidades internas e externas que trabalham e apoiam a resistência de trincheira do grupo.


Referências


BEY, Hakim. TAZ: zona autônoma temporária. São Paulo: Conrad, 2011. Tradução de Renato Resende.


MINAYO, M. C. S. (Org.). DESLANDES, S. F. GOMES, R. Pesquisa social: teoria, método e criatividade. Petrópolis, RJ: Vozes, 2016, 2016.


 
 
 

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