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“A Caminhada de Povos de Terreiro é um cortejo litúrgico contra a discriminação religiosa e racial"

Historicamente a construção dos processos educativos da população negra parte dos movimentos sociais. O Movimento Negro foi muito importante para denunciar as desigualdades e racismo existente no Brasil. São as religiões afro-brasileiras e indígenas as que mais sofrem com os preconceitos, discriminação e racismo. Por causa disto, os povos de terreiro de Pernambuco realizam, desde 2007, a Caminhada dos Povos de terreiro.


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A Caminhada dos Povos de Terreiro foi o tema da pesquisa realizada por Gustavo Filizola, Missilene Costa e Elida Santana, em 2017. A pesquisa compreendeu a realização de entrevistas com representantes do poder público envolvidos na organização e com representantes da Rede de Mulheres de Terreiro, observação participante na caminhada, e pesquisa em jornais. Teve como objetivo o compreender os sentidos que a Caminhada dos Povos de Terreiro gera no movimento, desde o processo que levou à organização da primeira caminhada até o momento presente, observando também as dissonâncias. Um olhar sobre as formas de formação e envolvimento das crianças e jovens no âmbito da Caminhada da Rede de Mulheres de Terreiro também foi objeto de interesse.

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“As pessoas perseguem as matrizes africanas porque elas vêm dos negros, vem da resistência negra. As meninas e meninos desde pequenos são discriminados na escola, são chamados de macumbeiros [...] (Técnica e representante da Secretaria de Desenvolvimento Social, Criança e Juventude que atua no eixo de Intolerância Religiosa, entrevista axs autorxs, 2017). A representante governamental entrevistada é também Yalorixá, a Sacerdotisa do culto aos orixás e principal liderança feminina na hierarquia do terreiro de candomblé. Ela situou a origem da Caminhada nas discussões sobre o mês da Consciência Negra, como um ato público para chamar a atenção da sociedade para a importância de discutir o racismo e a discriminação às religiões afro-brasileiras. “A Caminhada de Povos de Terreiro é um cortejo litúrgico contra a discriminação religiosa e racial. Surgiu em 2007, porque a prefeitura de Recife, através da Diretoria de Igualdade Racial [...] pensou em colocar a algo religioso que formate a abertura do mês da consciência”.


Em 2007, a Rede de Mulheres de Terreiro engajou-se na organização da Caminhada. “No ano em que nós realizamos o primeiro encontro da Rede de Mulheres de Terreiro, a Diretoria de Igualdade Racial da Prefeitura de Recife pensou em abrir o mês da consciência negra com uma caminhada. A Rede de Mulheres de Terreiro contribuiu pra incentivar: 'vamos todos, vamos mostrar nossa cara, vamos botar nossas roupas'. A Caminhada dos Povos de Terreiro é um momento em que as pessoas de terreiro vão tomar as ruas da cidade para mostrar que existem e exigem respeito, só isso. A Caminhada ela se institucionalizou. [...]

O nosso terreiro, foi um terreiro que ajudou a constituir a caminhada, mas nesses dois últimos anos nós não participamos da caminhada, por discordar de algumas coisas. Umas dessas coisas é o caráter não religioso atribuído a caminhada... virou folclore. E a gente viu muita coisa... a gente questionou muito, mas...” (Coordenadora da Rede de Mulheres de Terreiro de Pernambuco, entrevista axs autorxs, 2017). A entrevistada é Yabassé, aquela que é responsável pelo preparo das comidas em um terreiro.


A pesquisa compreende que os movimentos sociais não são grupos homogêneos, mas coletivos que têm divergências e convergências, como ficou evidente nas entrevistas citadas. De acordo com Maria da Gloria Gohn (2011, p. 336), "A experiência da qual são portadores não advêm de forças congeladas do passado- embora este tenha importância crucial a criar uma memória que, quando resgatada, dá sentido as lutas do presente. A experiência recria-se cotidianamente, na adversidade das situações que enfrentam".


Os conflitos internos dos movimentos podem direcionar diferentes práticas educativas e organizativas, contribuindo para formação de ativistas com diferentes perspectivas teóricas e políticas, que, por vezes, podem dificultar a construção de uma agenda comum. Na questão do protagonismo das mulheres de terreiro nas lutas contra o racismo e a discriminação, apesar das divergências com a forma como a Caminhada vem sendo organizada pelo poder público, a atuação da Rede vai além das questões de gênero, mesmo esta sendo o foco da atuação, e se estende para a discussão sobre a democracia, como mostra a entrevistada.


“A Rede de Mulheres de Terreiro é  uma articulação de mulheres do Candomblé, da Umbanda e da Jurema Sagrada, que tem como objetivo fortalecer primeiramente a nossa identidade de gênero. Foi construída em 2007, quando nós queríamos mostrar o nosso protagonismo, que nós somos mulheres de terreiro, mas nossas casas são casas de cuidado, são casas de acolhimento, são casas de fortalecimento da democracia, da cidadania das mulheres e dos homens de terreiros” (Coordenadora da Rede de Mulheres de Terreiro de Pernambuco, entrevista axs autorxs, 2017).


Por fim, a participação de crianças e jovens revela-se como um ponto em comum na fala das entrevistadas.


"As crianças são o futuro, com sua inocência, com sua alegria com o seu movimento são o futuro para a continuidade desse sagrado que precisa ser perpetuado, elas são a nossa alegria, são o nosso deleite e a presença das crianças são sempre muito bem-vindas". (Coordenadora da Rede de Mulheres de Terreiro de Pernambuco, entrevista axs autorxs, 2017).


“A juventude de terreiros está na caminhada, nós temos um enfrentamento com relação ao papel da criança na instituição religiosa, ela passa a ter contato direto com seu destino com o oráculo, a caminhada, trás ela para conhecer esse universo”. (Técnica e representante da Secretaria de Desenvolvimento Social, Criança e Juventude que atua no eixo de Intolerância Religiosa, entrevista axs autorxs, 2017).





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