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MOVIMENTO NEGRO NAS ARTES CÊNICAS DE PERNAMBUCO

Atualizado: 25 de mar. de 2024




Irla Silva Avelino Bezerra1

Jacicleide Conceição da Silva

Orunmillá Moura de Santana

Shirley dos santos vera cruz


Resumo


Este trabalho trata-se do resultado da pesquisa de campo denominada Movimento negro nas artes cênicas de Pernambuco. Com a perspectiva de investigar como movimentos artísticos no campo das artes cênicas potencializam movimentos políticos que reverberam outros movimentos artísticos e articulam movimentos políticos.


O objetivo principal foi compreender o fazer artístico-político-cultural dos grupos Máscaras Negras, Grupo O Poste, Grupo Daruê Malungo e dos artistas da cena Lepê Correia, Odailta Alves, Vitor da Trindade e o Mestre Meia Noite. A partir de uma roda de diálogo foi possível refletir e compreender formas de (re)educação desse movimento negro. No entanto compreendemos que o movimento negro é educador. Constitui-se de matrizes epistemológicas próprias e que fomentam e de fato (re)educam a sociedade seja em seu âmbito “formal” ou “ não formal”.


Este trabalho surge a partir da perspectiva de realizar uma pesquisa de campo partindo da escolha de um segmento de movimento social, atividade demandada pela disciplina de movimentos sociais, identidades e cidadanias interculturais. Pensando nesta possibilidade enquanto grupo, fomos encaminhando nossas reflexões a partir do segmento do movimento

social com recorte para o movimento negro, em específico o movimento negro artístico.


Fomos refletindo a necessidade de trazer para o diálogo grupos de teatro negro,

artistas educadores negres e centros culturais que fomentassem a cultura e os saberes negros na articulação da costrução e potencialização das identidades negras. Sendo assim, realizamos a articulação com representantes e fazedores da arte negra, com enfoque no teatro, dança, literatura e na música negra.


Compreendemos que o movimento negro artístico tem suas movimentações em prol da construção identitárias dos (as) jovens negros/as/es. Assim, fortalecendo e fomentando a educação pela arte negra.


A atuação do Movimento Negro Unificado (MNU) na década de 1970, já vinha

reivindicando os direitos da população negra á educação, sobretudo, sendo um movimento importantíssimo para consolidar e reinterpretar os saberes produzidos pelo povo negro (Gomes, 2017). Contudo, como nos diz Nilma Lino Gomes, as práticas dos movimentos negros artísticos que atuam, muitas vezes de forma independente reivindicando as pautas dos direitos humanos, artísticos e culturais, que por sua vez reverberam no fortalecimento identitário da comunidade envolvida, são fundamentais para compor essa rede de

interlocução.


Nos interessa trazer para o diálogo movimentos negro com foco no teatro negro,

musicalidade negra, literatura negra, dança negra e representantes de centros culturais que atuam na pauta política por meio da prática artística. Pensamos em articular um diálogo para construir possibilidades de interpretação, o grupo de teatro Máscaras Negras, Grupo O Poste, Lepê Correia, Odailta Alves, Vitor da Trindade e o Mestre Meia Noite - representando o centro cultural Daruê Malungo. Movimentos negros constituídos por artistas negros(as) que se movimentam junto á luta por direito ao conhecimento, reconhecimento e afirmação

identitária.


A principal pergunta-problema situa-se no campo da atuação política e artística: como esses movimentos artísticos potencializam movimentos políticos que reverberam outros movimentos artísticos? O objetivo principal é compreender o fazer artístico-político-cultural dos grupos pesquisados. Os Objetivos Específicos situam-se em, primeiro compreender as trajetórias dos grupos culturais e defensores da pauta negra, sobretudo seu campo de formação inicial político-artístico-cultural. Segundo, analisar de que forma as práticas artístico-culturais se articulam na construção do saber e interpretar como se estabelece a relação dos integrantes/representantes com as práticas desenvolvidas em seus campos de atuação. Terceiro, como essas pessoas e grupos artísticos articulam suas práticas no campo da educação das relações etnico-raciais para novas gerações, como desenvolvem suas práticas de ensino-aprendizagem artístico-político-cultural.


A perspectiva Metodológica abordada nesta pesquisa é de cunho qualitativo por

tratar-se das subjetividades dos (as) entrevistados (as). Primeiramente fizemos uma roda de diálogo com os (as) principais representantes e integrantes dos movimentos negros aqui apontados propondo uma questão norteadora para reflexão na roda de diálogo. Cada convidado (a) realizou suas narrativas em tempo estabelecido de vinte minutos para cada fala sendo possível também algumas intervenções nas falas por parte dos convidados.


Tentaremos responder algumas questões que serão fundamentais para compreender a atuação e as trajetórias pessoais e coletiva destes movimento negro artístico: como se desenvolvem ou se desenvolveram as movimentações em prol da luta e resistência identitária desses movimentos? Qual a importância dessas atuações/ações para a vida dos sujeitos que são atravessados diretamente ou indiretamente pelo movimento negro artístico? Qual a importância desses movimentos negros artísticos para a consolidação dos saberes constituídos pelo povo negro?.


As seções deste texto estão divididos da seguinte forma: na primeira seção abordamos as trajetórias negras nas Artes Cênicas de Pernambuco, compreendendo os percursos e mini biografias de cada representante/artista/educador/negre que compôs a roda de diálogo. Na segunda buscamos entender a arte negra como movimento político identitário emancipatório, analisando como as obras e trabalhos artísticos se articulam com movimentos políticos da pauta negra na cidade, no estado e no país. Na terceira seção refletimos sobre o educar para a continuidade: educação artística engajada para as novas gerações, focando na atuação educacional desenvolvido pelos envolvidos no diálogo afrocentrado e por linhas de conclusão refletimos compreendendo os atravessamentos.


1.Trajetórias Negras nas Artes cênicas de Pernambuco



Nesta seção tratamos das trajetórias dos(as) convidados(as), a fim de

apresentá-los(as) sucintamente e compreender quais percursos foram traçados e que o/a levaram a atuar na pauta das identidades negras.


SEVERINO LEPÊ CORREIA


Professor, Psicólogo, Pós-graduado em História (UFPE), Mestre em Literatura e

Interculturalidade (UEPB), Doutor em Educação (UFPE), Escritor e Poeta, compositor,

Abórisá e Pesquisador das Espiritualidades Afros e Brasileiras.


Lepê narra sua trajetória junto a importantes nomes das artes cênicas de Pernambuco, sobretudo voltado para Musicalidade afrocentrada, trata da sua vivência junto ao movimento negro como um movimento de resistência e afirmação identitária. Sobre a década de 70, ele cita alguns nomes importantíssimos que durante esse período contribuíram e foram resistentes e criadores da Musicalidade afrocentrada, como por exemplo, Naná Vasconcelos, Repolho, Zumbi Bahia e Ubiraci Ferreira, toda essa movimentação de fortalecimento da Musicalidade Negra voltada para os Afoxé, maracatus, para cultura negra de Pernambuco.


Também reflete a articulação de forma temporal com o movimento black power nos Estados Unidos e na África os países africanos em que acontece toda essa movimentação para começar libertar consciência e começar a repensar a questão da identidade, da estética Negra, quando as mulheres começam a usar tranças, roupas coloridas começam a se identificar como potencialidades, mulheres e homens pretos e pretas e se reconhecendo neste lugar de Negritude e afirmando suas identidades.


O Lepê Correia contribuiu fortemente com a Musicalidade Negra para alguns grupos de afoxé de Pernambuco como o Afoxé Ilê Axé, primeiro afoxé de Pernambuco e o Alafin Oyó. Músicas que nos dias atuais são ouvidas e

ovacionadas, também obteve premiações com suas composições (“Rainha Matamba”).


ODAILTA ALVES


Odailta Alves (1979), mulher negra, lésbica. Escritora, educadora, atriz e ativista dos

Direitos Humanos, com ênfase em práticas antirracistas. Nasceu na favela de Santo Amaro (Recife/PE). É doutoranda em Linguística na UFPE e é concursada na Secretaria de Educação de PE, na qual atuou com formação antirracista. Também é concursada na Secretaria de Educação do Recife. É escritora independente, com 8 livros publicados (5 de poemas e 3 de contos): Clamor Negro (2016 - com mais de 3.200 exemplares vendidos), (des)Cativeiro de versos (2018), Letras Pretas (2019), Nenhuma Palavra de Amor (2021); Afrochego - poemas para acalentar meu povo (2023) - POEMAS. E o Escrevivências - contos (2019), Pretos Prazeres - contos eróticos (2021) e Sapatão em Prosa e verso (2022). É vencedora nacional dos concursos de poesia Da Casa de Espanha (2016) e do Elas por Elas (2019). Em 2022, ganhou o prêmio Pernalonga de Teatro de PE, com o seu monólogo Clamor Negro.


Odailta Alves, iniciou a sua trajetória nas artes negras a partir da literatura, contudo ao longo de seu percurso percebeu que apenas escrever não daria conta daquela pulsação dentro de si, então ela parte para a perspectiva do Teatro e sente a necessidade de criar espetáculos. E observa a necessidade de interpretar a partir dessa linguagens dentro do seu trabalho fundamental para desenvolvimento de seu aspecto educativo e modos de produzir conhecimento.


VITOR DA TRINDADE


Vitor da Trindade é filho de Oshalufan e Ogan Alabê de Omulu, no Ilê Axé Jagun.

Músico há mais de 50 anos. Percussionista, compositor e professor de cultura negra. Neto de Solano Trindade e filho de Raquel Trindade. Graduado em música pela Fito-Osasco, mestre em etnomusicologia pela ECA-USP e doutorando em musicologia pela Unesco na Universidade Franz Liszt, em Weimar, na Alemanha. Tem 7 discos próprios gravados, três livros editados e já se apresentou em quatro continentes, como músico, professor e palestrante.


Narra sua história a partir da trajetória do seu avô Solano Trindade e de dona

Margarida. Também cita a importância do teatro popular Solano Trindade. Vitor da trindade, reflete sua atuação no teatro negro - presidente do teatro popular solano trindade e atua junto a músicalidade afro-diáspórica com o candomblé, . Potencializando os saberes negros, as matrizes africanas.


O POSTE SOLUÇÕES LUMINOSAS


O grupo O Poste Soluções Luminosas é um grupo de artistas pretos cujas produções artísticas e pesquisas teatrais são calcadas no resgate da matriz africana e essa como base de uma ancestralidade corporal e vocal, traçando um paralelo entre as incorporações dos Orixás nos terreiros de Candomblé e Umbanda pelo viés artístico teatral, procurando aproximar essa investigação aos seus processos artísticos.


O grupo também está realizando um projeto para jovens pretos e pretas da periferia do Recife entre 17 a 21 anos chamado O POSTINHO. Onde esses jovens estão recebendo sua formação dentro da pesquisa O CORPO ANCESTRAL DENTRO DE CENA CONTEMPORÂNEA, pesquisa do grupo que criou uma sistemática de treinamento para o ator através dos movimentos dos orixás e entidades de terreiro da umbanda e jurema, aula de voz, danças afro diaspóricas com Darana Costa, voz, dramaturgia, escrita, poética matricial, interpretação, seminários pretos etc.


NANÁ SODRÉ


Mulher negra cis, está mestranda em Artes Cênicas pela UFRN na linha Interface da cena: Politicas, Performances, Cultura e Espaço, e pesquisadora do grupo Mito, Rito e Cartografias Feministas nas Artes - MOTIM/ UERJ. Dirige, atua e produz culturalmente, é professora de Artes Cênicas formada pela UFPE, instituição na qual também já foi docente.


Fundou em 2004 o grupo O Poste Soluções Luminosas, que em 2009 tornou-se grupo artístico e de investigação teatral com o foco na pesquisa em matriz africana e na visibilidade e representatividade do negro na arte/vida, pauta crucial dos espetáculos do grupo. Visibilizar positivamente as mulheres pretas do estado de PE, criando os projetos "Quebrando O Silêncio” - oficina de escrita para mulheres e a Mostra "PrestAção" - Mostra de Mulheres Pretas de Pernambuco, a primeira mostra de atrizes pretas do estado de Pernambuco.


AGRINEZ MELO


Mulher negra cis, mãe, candomblecista. É professora, atriz, pesquisadora. Formada em Artes Cênicas pela UFPE, mestre em Artes Cênicas pela UFRN, vem desenvolvendo pesquisas Teatrais, focada na Poética Matricial dos Orixás em uma perspectiva de colonização.


Suas pesquisas tem o foco na pretitude e na construção de novas narrativas

através do teatro. Suas ações englobam criação de espetáculos e ações formativas com os elementos visuais do teatro (Figurino, Maquiagem, iluminação e interpretação teatral de forma inclusiva.


Fez parte do grupo do imaginário em Antropologia em 2008 onde iniciou os estudos sobre o imaginário de Oxum no teatro e vestimenta. Faz parte do grupo teatral O Poste Soluções Luminosas (Grupo focado na pesquisa do Corpo Ancestral dentro da cena Contemporânea a partir do teatro Físico).


SAMUEL SANTOS


É pernambucano do Recife, tem 53 anos, homem negro cis, e há 34 anos se dedica ao teatro. É diretor de espetáculos adultos e infantis, roteirista, ator, autor, produtor e professor de oficinas e cursos de teatro. Administra o Espaço O Poste desde 2014 e com o grupo O Poste também produz os espetáculos “Anjo Negro” e “A Receita”, Ombela, Cordel do amor sem fim e o Irôko, a pedra e o sol além da pesquisa o corpo ancestral dentro da cena Contemporânea. Criou o Curso O ATOR TOTAL em 2010 e vem formando atores e atrizes em Pernambuco e outros estados.


GILSON SANTANA - MESTRE MEIA NOITE (DARUÊ MALUNGO)


Gilson Santana, o Mestre Meia-Noite, é mestre de capoeira, bailarino e educador. Em 1988, fundou o Centro de Educação e Cultura Daruê Malungo, que visa aproximar a comunidade de Chão de Estrelas de suas raízes africanas. As atividades locais foram iniciadas com um pequeno grupo de crianças da comunidade de Chão de Estrelas e adjacências, que se encontravam em situação de vulnerabilidade social.


Meia Noite nasce na Bomba do Hemetério, em Recife, e sua relação com a dança, e com as manifestações populares começa na tradição familiar e religiosa, a partir do Candomblé e das brincadeiras de Maracatu Rural e Bumba meu Boi. Sua experiência mais formal de aprendizado na dança e teatro acontece na Escola Sebastião Lima em Água Fria, com a professora Ilza Cavalcanti, a partir de aulas de Teatro e Expressão corporal, e da participação em festivais escolares.


No final da década de 70 ingressou no Balé Popular do Recife, onde foi solista de

frevo e atuante como capoeirista e dançarino afro. Segundo Meia Noite, ele e Raimundo Branco, foram convidados pelo diretor André Madureira “para fazer o quadro da capoeira e o quadro da dança afro’’ no espetáculo do grupo. Meia noite explica que seu aprendizado com capoeira e dança afro acontecerá de forma autodidata e que a partir do contato com o Mestre Zumbi Bahia, durante aulas ministradas por ele no espaço do Boi Castanho, de Antônio Nóbrega, no mesmo período em que ingressou no BPR, aprofundar seus conhecimentos na área.


JEFFERSON VITORINO


Jefferson é ator, arte educador e professor de história. Atua no bairro de Santo Amaro pela Fábrica Fazendo Arte (Bando de teatro a gente já disse tudo) dirigindo espetáculos e mobilizando atividades artístico-educativas. Faz parte do Fórum da Juventude de Santo Amaro e da Rede Comunitária de Santo Amaro, além de se envolver com instituições da sociedade civil colaborando e realizando oficinas em projetos sociais, assim como, tem experiência em Teatro dando aula para jovens, adultos e pessoas idosas; Participando de espetáculos circulando pela cidade do Recife e alguns Estados do Brasil. Suas pesquisas estão no campo do Teatro Negro; Ensino de História Negro-Africana e Educação Social.


Idealizador do Coletivo Máscara Negra, proposta afrocentrada de Arte Educação,

comprometida com o resgate e a difusão do conhecimento Afrikano.


GRUPO MÁSCARA NEGRA


O grupo Máscara Negra é uma proposta de arte-educação, comprometida com o resgate e a difusão da História e Cultura Negro-Afrikana. Desenvolvendo atividades educativas e artísticas na cidade do Recife, com ênfase no Teatro Negro e História Negra, organizando um grupo de leituras negras, o Ajeum Literário e tem o espetáculo "Renascidos Aqui, mas somos de lá".


2. Movimento Negro, a arte como ato político, identitário e emancipatório


Compreender as especificidades dos movimentos sociais é necessário para identificar as diferentes pautas e estratégias de enfrentamento às opressões da sociedade. O movimento negro em sua especificidade no seguimento negro artístico, constutui-se por pautas que potencializam a negritude no fortalecimento das identidades negras. Segundo Maria Gohn (2011), educação não se limita aos muros da instituição escolar, sendo possível também considerar as demais formas de educação, como a educação não formal. Portanto, considera-se que os movimentos sociais são geradores de aprendizagem e de saberes. Assim, compreende-se que os movimentos sociais são fontes de inovação e matrizes geradoras de saberes. Entretanto, não se trata de um processo isolado, mas de caráter político-social” (Gohn, p. 333, 2011).


As movimentações independentes dos grupos sociais na luta por educação, afirmação da negritude, etc. Tornam-se necessárias com objetivo de elaboração de estratégias de ações para incluir os excluídos, seja nos segmentos da música, dança, literatura ou teatro, todos numa perspectiva afrocentrada, na tentativa de criar cenârios para atuação e produção de conhecimento do povo negro, criando espaços de protagonismo e de potencialização dos sujeitos produtores de conhecimentos, a fim de potencializar as epistemologias produzidas

pelo povo negro que objetiva fortalecer as identidades negras.


As estratégias de ação dos movimentos negros artísticos vão contra as movimentações do blackface, a impossibilidade do(a) negro(a) frequentar determinados espaços, o mito da democracia racial, a impossibilidade da potencialização dos saberes do povo negro, etc.


Movimentações essas que posicionam o(a) negro(a) num lugar inferiorizado como ser “outro” incapaz, não produtor de conhecimento, exótico, etc. No entanto, foram criadas estratégias de ação para combater e rebater o ideal do imaginário colocado para a sociedade, dando evidência e fazendo refletir o perigo da história única.


As identidades negras são atravessadas pelo “ideal” de beleza europeia que

descaracteriza e retira a possibilidade de ascensão da beleza negra colocando o branco como superioridade e universalidade. O negro é colocado no lugar do exotismo e de inferioridade.



Essas representações foram construídas mediante a óptica eurocêntrica, que institui sentidos de “normalidade” e “anormalidade”, estabelecendo como norma padrão o homem, branco, heterossexual, cristão. Os indivíduos que não correspondem a esse padrão são vistos como desviantes, abjetos, e excluídos socialmente (Fernandes; Souza, 2016, p. 104).



O movimento negro (re)educa a sociedade estabelecendo a educação no contexto do caminho correto a ser percorrido no processo de aceitação e afirmação da negritude. Pois trata-se de um processo demorado e que não se refere somente à mudança de perspectiva da não aceitação para a aceitação, trata-se de um processo colaborativo e de redes de conexão para este fortalecimento. “Ver-se e aceitar-se negro toca em questões identitárias complexas. Implica, sobretudo, a ressignificação de um pertencimento étnico/racial no plano individual e coletivo”(Gomes, 2003, p. 81).


Refletir o lugar desse movimento negro como educador, nos faz identificar sua função de (re)educar a sociedade, desmistificando os paradigmas do racismo e fazendo ressurgir outro ideário de negritude, uma negritude que se retroalimenta, que constitui-se de potência, que produz conhecimento e é capaz de protagonizar suas próprias histórias de vidas, assim potencializando seus fazeres. Tudo isso é possível por via de ferramentas fortalecedoras destas redes de conexão que atuam na quebra destes paradigmas. Seja em espaços institucionais ou espaços não institucionais, através da Literatura, poesia, Música, Dança e Teatro, todas as linguagens sendo articuladas numa perspectiva afrocentrada.


3. Educar para continuidade: educação artística engajada para as novas

gerações


Entendemos a importância do movimento negro artístico das artes cênicas de Pernambuco para a educação afrorefêrenciada, representado por grandes nomes que fomentam a arte negra numa perspectiva de cunho educativo e emancipatório, ou seja, se movimentando para (rê) educar a sociedade para o (re) conhecimento das potencialidades do povo preto enquanto sujeito que produz conhecimento.


Lepê Correia destaca em sua narrativa alguns acontecimentos que mobilizaram ações de afirmação identitária, especialmente no campo da cultura. Por exemplo, rememora a reação dos movimento negro às estratégias de Black face, no qual os brancos pintavam-se de preto para interpretar os negro, que provocou uma movimentação de resistência dos artistas negros contrária à essa prática de exclusão. Outras ações ganharam dimensão pública nas ruais, como a Noite dos Tambores Silenciosos e criação do afoxé Ylê de África, pioneiro na cena local, fortalecendo a construção identitária.



[...] o primeiro afoxé daqui foi Ylê de África, e de repente Recife nunca tinha visto tanto negro junto imagina sabádo de tarde na frente da loja Americanas, no então DCE, onde hoje é o Mcdonal’s, aqueles negros todos sentados ali. (Lepê Correia).


[...]e ai nascer o Ilê de África, o afoxé o primeiro ensaio em Olinda e depois volta Recife, Ilê de África, quando eu fiz a primeira música de repente um racha tem um babalorixa que chega no Ilê de África e quer colocar um bocado de branco no meio, Jorge moraes, não aceita, não é porque sejamos contra os brancos, é porque eles já tem os lugares deles, a gente não podia entrar no clube português, a gente não podia entrar no restaurante Leide não poderia entrar no bocado de lugares mas o afoxé era lugar de negro e ai teve essa brigar teve um racha [...]( Lepê Correia).


Os relatos citados acima demonstram a necessidade de traçar estratégia de afirmação identitária e criação de lugares de pertencimento, lugares construídos também por esta luta de estratégia e resistência. Percebe-se que o processo educativo está para além dos muros escolares, a educação se dá pela vivência e pelas dificuldades de ser aceitos pela sociedade. Um lugar de criação de estratégia coletiva, a fim de emponderar os negros e negras na atitude

de gerar pertencimento e valorização as produções de conhecimento, como as melodias voltadas para os grupos de afoxé, por exemplo.


Na roda de conversa, Jefferson relata um pouco sobre a perspectiva do grupo O Máscara Negra. “A gente tem uma perspectiva afrocentrada, não estamos pensando em educar o branco, a gente tá pensando em conectar pessoas negras para sua potência”. Suas modalidades educativas afro-centradas partem da perspectiva de desenvolver oficinas de história negra fundamentadas no grupo de leitura Ajeum literário.


Então, a gente tem um grupo de leituras que é o Ajeum Literário, que é esse braço fortalecedor pra leitura pra quem gosta de leitura, não sei ler nada “esse espaço é pra você”. Eu só vim com um mungunzá, eu vim com uma tapioca, que é a referência né? O Ajeum de livro e tal. O Ajeum Literário é esse braço espinhal de leitura, oficina de teatro negro, essa possibilidade de ter essa convenção com o teatro negro e a perspectiva dele, história negra é esse, esse material bruto e o

espetáculo é a forma que a gente comunica[...]. (Jeferson-integrante do Máscara negra).


As estratégias educacionais utilizadas pelo grupo “Máscara Negra” são pensadas numa perspectiva de empoderamento a partir das leituras, oficinas de dança afro diaspóricas e oficinas teatrais. Observando as narrativas das pessoas que fazem parte do grupo de forma integral percebe-se que a construção do processo de tomada de consciência para reconhecimento da negritude parte dos conflitos vividos a partir de quebras de paradigmas que são instaurados pelo processo de colonização e que são questionados nas práticas corporais instigadas pelas práticas afro referenciadas. “Como a gente volta? recebendo, se

alimentando, olhando para trás e andando para frente e devolvendo aos nossos [...] entender que as minhas sobrinhas não irão despertar com mais de trinta anos[...]”(ewelyne-integrante do grupo máscara negra).


As narrativas que surgem a partir das experiências familiares nesse processo de

afirmação ou rejeição da negritude são indicadores para repensar as formas como as novas gerações compreendem o mundo.


Meu contato é bem familiar[...] meu avô que era macumbeiro fazia as coisas dele no quintal, foi minha referência na infância. Uma pessoa negra retinta[...]. Tínhamos uma farmácia no quintal de casa, porém com a morte do meu avô vem todo embranquecimento, inclusive da família, o quintal passa a ser de lajota de concreto, minha avó consegue preservar apenas o pé de cabaça dele e diz não pode retirar o pé de cabaça. Meu pai se tornou uma pessoa frustrada, ele é músico/percussionista, ele toca muito[...] ele toca de tudo, maracatu, frevo... mas ele não vive daquilo. As pessoas dizem que meu pai é muito massa, mas ele não teve essa consciência, ele focou as energias em outras coisas[...]. É um privilégio estar neste lugar aqui porque um ano do Máscara Negra a gente se considera fruto de todos vocês do Grupo poste, Daruê Malungo e o Vítor da Trindade. (Matheus - Integrante do grupo Máscara negra).


O grupo “O Poste”, nasce da necessidade do teatro negro ser feito por pessoas negras, na pespectiva de trabalhar o fortalecimento da negritude. Acompanhando as rememórias dos participantes do grupo, alguns relatos são explanados para exemplificar os atravessamentos proporcionados pelas apresentações dos espetáculos teatrais em uma dada comunidade

quilombola:


[..] uma senhora negra já uma senhora mesmo, a gente acabou o espetáculo sempre tinha um debate né, aí no final do debate ela nos falou e veio falar comigo “Moço venha cá, aqui oh, eu só não falei porque eu tenho vergonha, mas eu vou falar pro senhor viu. Traga esse Teatro pra cá moço, esse negócio de teatro é muito bom”. Sabe aí essa língua, esse povo né, é... que muitas vezes é marginalizado né, muitas

vezes não se identifica com os seus signos, com sua arte, com sua cultura, é... às vezes quando ele vê isso ali no teatro, nas artes cênicas como um todo, ele se sente cada vez mais feliz e pertencente (Samuel - integrante do grupo O Poste).


A arte negra de fato caracteriza-se por sua potente representatividade e ferramenta de fortalecimento e reconhecimento identitário. Olhando para as novas gerações as sementes - O Postinho, almeja justamente essa continuidade e trabalhar, além de trabalhar os aspectos da negritude com os mais novos.


O Centro Cultural Daruê Malungo foi representado na roda de diálogo pelo Mestre

Meia Noite. Nos exemplifica as maneiras/estratégias de realização de uma educação afrocentrada na perspectiva da desmistificação do paradigma do racismo que posiciona o(a) sujeito negro num lugar de subalternidade e inferioridade, descaracterizando e deslegitimando a cultura-Arte Preta. No trecho a baixo compreenderemos um pouco de como funciona essas estratéias de educação antirracista.


Sambalelê tá doente, tá com a quebrada, sambalelê precisava é de umas boas palmadas, samba samba samba ô lelê, samba samba samba ô lalá, samba samba samba ô lelê, samba samba samba ô lalá...[...]. Isso a criança ia ficando cada vez, aí vem uma criancinha e de 5, 7 anos e ele fez: “tá errado, tá errado, tá errado ``. e eu digo: “como?”. A música é assim: “Samba Lelê tá feliz, samba lelê tá contente, sambalelê precisava é cantar como a gente samba samba samba ô lelê, samba samba samba ô lalá, samba samba samba ô lelê, samba samba samba ô lalá.


À uma ressignificação da musicalidade Samba lelê. Percebe-se que as crianças

apresentam o reconhecimento à musicalidade que é ressignificada com a finalidade de desmistificar o paradigma do racismo.


O Mestre Meia noite explica a diferença entre doutrina e disciplina:


Essas coisa, então a situação é do negro, da negra porque faz um teatro negro teatro,o teatro dele é empoderação, é nosso, já pensou se eu aprendesse com o Zumbi dos Palmares? E aqui temos vários exemplos de quilombos que trabalham muito essa arte da teatralização do teatro, de passar as mensagens não só musicalmente mas com o fazer, o construir. (Mestre Meia Noite).



Acompanhando as explanações do Meia Noite, disse isto. “Eu não jogo capoeira, eu não luto capoeira, eu sou a filosofia da capoeira”. Representação e autenticidade na prática artística-político-pedagógica, pois representa uma figura de referência importantíssima para as gerações atuais e futuras.


O Daruê Malungo é de fato um espaço educativo e que não só trabalha com o teatro negro, trabalha com a dança, com a música, então percebe-se o pouco que o Mestre Meia-noite fala que é um trabalho de conscientização muito detalhado que adentra de fato na consciência da criança para que não se compreenda neste lugar de inferioridade que é colocada para ir de encontro com o racismo. Percebemos que existe um trabalho de conscientização dos saberes e o empoderamento negro.


Os movimentos negros compreendem as diferentes formas de encarar e de estar na luta. Seja fazendo um recorte para as artes cênicas, existem diferentes caminhos dentro da dentro da artes cênicas. O caminho da musicalidade, do teatro, da dança, um caminho que se relaciona com as universidades, um outro caminho que se relaciona com as comunidades. Esses caminhos são estratégia de interlocução e possibilitadores de movimentação para o embate das estratégias do racismo.


No aspecto da literatura negra compreendemos que as estratégias utilizadas por

Odailta Alves, por exemplo, fazem parte da utilização de ferramentas da poesia e do teatro.



E desde sempre enquanto educadora porque eu acho que independente do meu histórico enquanto artista eu sou professora, eu sou educadora, eu sou a aquela mulher, aquela menina que nasceu em Santo Amaro então a gente só tem essa experiência de uma favela do Campo do Onze né. A nossa companheira está aqui também de lá do campo, né? De lá de Santo Amaro, então a gente sabe que esse território é um território extremamente preto, extremamente violentado, e extremamente cheio de potências.


Sendo assim, desenvolve peças teatrais e circula nas escolas públicas, como forma de difundir questões de raça, gênero e sexualidade “ a experiência de levar o teatro preto, esse teatro representativo, esse teatro que vem com poesia, com música, com dança para as salas de aula foi, grandioso.”



Ah, a gente levou para o teatro, chegando lá o menino dormiu conversou”, e na realidade todos estavam ali, estavam ali ó de olho, não piscava, alguns choravam, depois chegava pra falar pra gente “Ah é porque eu sou de terreiro, ah porque assim”, coisa que não tinha coragem de falar na escola. Então como é grandioso poder pensar nesse teatro né enquanto essa arte essa arte revolucionária e construída pelos que vieram antes, por nossos ancestrais (Odailta Alves).



Odailta, possui produções de livros que representam o fortalecimento da negritude pela necessidade de fortalecimento do teatro infantil - princesa negra . Para brancos e negros para desconstruir o processo de racismo que é naturalizado.


No contexto da resistência observamos a seguinte colocação:


[...] arte ela vai ser usada por pessoas pretas para evidenciar suas potências, a sua ancestralidade, a sua história, essa arte é perigosa, é identitária, é inferior né, e essa arte é difícil acessar, é difícil, é difícil porque a gente não consegue produzir com respaldos financeiros. A gente também produz na luta, na garra assim e na resistência porque eu sempre digo que resistência só é bonita pra quem resiste no

Instagram. Resistir pra viver, resistir pra fazer o rolê funcionar, resistir para proteger a tua pele, dos teus e das tuas. Resistir além da base do medo. Isso é adoecedor. (Odailta Alves).



4. Conclusão-Compreendendo os atravessamentos.



É de suma importância as reflexões pertinentes as estratégias e pautas de atuação dos movimentos sociais, sobretudo o segmento negro. Pensar e analisar como se dão as diferentes formas e estratégias de ação para o combate ao racismo torna esse processo de reflexão quase que infinita, sempre inacabado, pois sempre surgirão novos desafios e novas maneiras de enfrentá-lo.


O formato de diálogo que nos propomos a realizar enquanto grupo de certa forma nos deixou instigados(as) a futuramente refletir outros eixos de discussão neste mesmo segmento.


O material construído em diálogo coletivo constituiu-se num material inacabado, pois há a possibilidade de traçar variados eixos de discussões. Considerando também a imensidão de informações riquíssimas e imperdíveis de serem questionadas. Contudo, entendendo o recorte que objetivamos realizar.

Conclui-se que o movimento negro artístico de Pernambuco, representado pelo grupo Máscaras Negras, Grupo O Poste, Centro cultural Daruê Malungo e dos artistas da cena negra Lepê Correia, Odailta Alves, Vitor da Trindade e o Mestre Meia Noite. Constitui-se de matrizes epistemológicas próprias e que fomentam e de fato (re)educam a sociedade, seja em seu âmbito institucional ou não. O movimento Negros é educador, pois desempenha funções que são ausentes nas atuações do Estado. O movimento negro é educador, também pelo fato

de construir e disseminar saberes para a sociedade que jamais seriam ou foram construídos por outros recursos. Na atualidade todas os saberes produzidos pelo movimento negro estão servido como basilar para que a sociedade se reeduque e enxergue para além das fendas. Desmistificando o mito da democracia racial e a história única.


Nos resume um pouco de como funciona e como funcionou as diversas formas de movimentações em prol da criação de estratégias para a inserção e afirmação do(a) negro(a) na sociedade brasileira a partir da Arte Negra, percebe-se que essa surge a partir das estratégias realizadas por criações de musicalidades que entoam as potencialidades da negritude, que estimulam a estética corpórea negra que potencializam a beleza negra, percebemos também a atuação dos grupos de teatro que objetivam “gíras” educativas numa perspectiva afrocentrada, numa perspectiva de pensar em conectar pessoas negras e suas potencialidades criando seus próprios espaços.


Os relatos dos(das) integrantes referente aos atravessamentos das práticas vivenciadas nos segmentos apresentados aqui, evidencia a importância da atuação desses segmentos para as construções das subjetividade e compreensão desses corpos no mundo que perpassa pelo estereótipo estético-corporal e consequentemente se instaura na subjetiva e indica como essas

corporeidades se anuncia para o mundo. Esses atravessamentos se dão desde a percepção desse corpo no mundo e a necessidade de se afirmar e consolidar suas potencialidades, desmistificar estereótipos através das musicalidades, afirmar a beleza negra através da musicalidade ou da poesia, em recital e encenação teatral na perspectiva de demonstrar possibilidades de ascensão, ao reconhecimento e identificação das relações étnico-raciais no seio familiar, até mesmo na auto afirmação como referência para demonstrar possibilidades

de ser e estar no mundo.



Notas



1 Licenciada em Dança, performer e Artista-docente. Tem interesse nas pesquisas relacionadas ao Ensino de Dança, Memória, Direitos Humanos, Ancestralidade, na Lei 10.639/03 e Estudos Étnico-raciais. Currículo Lattes: http://lattes.cnpq.br/5043800163045432. E-mail: flordeliriosab@gmail.com.


2Licenciada em Dança, Artista-Docente, Mestranda no programa de Pós - Graduação Educação, Culturas e Identidades (PPGECI) - UFRPE/FUNDAJ. Pesquisadora bolsista financiada pela CAPES. Membro do grupo de

pesquisa Audre Lorde- UFRPE. Curriculo Lattes: https://lattes.cnpq.br/4363303037364270 . E-mail: Jacicleideconceicao2015@gmail.com.


3 Shirley dos santos formada em Pedagogia pela UFPE, Pós- graduação em Educação e Gestão e cultura organizacional também pela UFPE faz parte do setor de Educação do Mtst - movimento dos trabalhadores sem teto, professora da EJA pelo movimento, mestranda em Educação culturas e identidades pela UFRPE/FUNDAJ.



Referências


FERNANDES, Viviane, Barboza; SOUZA, Maria, Cecília, Cortez, Cristiano de. Identidade

Negra entre exclusão e liberdade. Revista do instituto de Estudos brasileiros • n. 63 • abr. 2016 (p. 103-120).


GOMES, Nilma Lino. O movimento Negro Educador: saberes construídos nas lutas por emancipação. Petrópolis, RJ: Vozes, 2017.


GOMES, Nilma Lino. Cultura negra e educação. Rev. Brasil. 2003, n.23, pp.62-74. ISSN

1413-2478.


GOHN, Maria da Glória. Movimentos Sociais na Contemporaneidade. Revista Brasileira de Educação v. 16 n. 47 maio-ago. 2011. p 333-512.


SANTANA, Gilson José de: depoimento( 2013). Entrevistadores: L.G. Costa e D. Santos.

Recife: 2013. Entrevista concedida ao Projeto RecorDança. Site

http:\\darueponto.blogspot.com.br: acesso em 04 de setembro de 2023.




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